Por João Paulo Barreto
Ao terminar a sessão de Sherlock Holmes – O Jogo de Sombras a impressão que se tem é mais do que a de um filme que adapta ao brilhantismo uma história baseada nos personagens de Arthur Conan Doyle; é mais do que imaginar como são engenhosas as cenas que exibem o modo como Holmes prevê os próximos passos de seus adversários com uma exatidão precisa. Ao terminar a sessão, o pensamento que mais me vinha à mente era que fazia muito tempo sem que uma dupla funcionasse tão bem em cena quanto demonstra a química perfeita ente Robert Downey Jr. e Jude Law.
O filme, apesar de pertencer claramente a Downey Jr. que, com todo cinismo característico, consegue construir um Holmes que se reinventou a partir de sua interpretação, possui em Jude Law um equilíbrio ideal para qualquer modo histriônico demonstrado pelo seu parceiro em cena. O equilíbrio da obra acaba sendo localizado na interação de ambos, Holmes e Watson. Mais do que as ótimas cenas de ação e as já citadas previsões de Sherlock quanto aos próximos passos de seus antagonistas, o ponto alto é centrado nos diálogos da dupla.
No momento em que eles se reencontram no escritório de Holmes, na Baker Street 2218, já nos deparamos com as excentricidades do detetive que, visivelmente alterado pelo consumo de liquido embalsamador como bebida, parece ligado a todos os detalhes do caso que investiga. E nesse momento, a conversa entre ele e Watson já denota que o teor cômico dessa continuação superará o do primeiro filme. E as “vitimas” do humor ácido de Holmes se fazem presentes novamente, como a noiva de Watson, Mary (Kelly Reilly, que, ainda bem, teve seu papel reduzido em comparação à primeira aventura), a paciente Sra. Hudson (Geraldine James), proprietária do imóvel na Baker Street e, claro, o pobre do cachorro de Watson, que, mais uma vez, será vitima de um experimento de Holmes em uma cena que já se apresenta como uma pista para algo que terá suma importância no decorrer da trama
O roteiro, escrito pelo casal Michele e Kieran Mulroney, apresenta uma trama mais coesa que o do longa de 2009, já que preferiu abordar uma trama centrada em fatos sem apelos para o sobrenatural. Dessa vez, temos o clássico vilão Professor James Moriarty (que encontra em Jared Harris uma perfeita encarnação) tentando gerar um conflito mundial a partir da fomentação à rivalidade entre França e Alemanha pelo poderio bélico. O detetive investiga o professor Moriarty através de diversos crimes ocorridos na Europa sem uma aparente ligação entre si. Para Holmes, uma explosão na cidade francesa de Estrasburgo denota o começo dos planos do seu rival para gerar um conflito que, nas palavras do próprio detetive, acabará com a civilização ocidental. Holmes começa a seguir os passos de Moriarty através de cada vez mais complexas situações.
Na festa de despedida de solteiro de Watson, Holmes percebe uma série de clientes que consultam a cigana Sim (Naomi Rapace) e, a partir da observação do ambiente onde a mulher trabalha, nota que algo não está certo. Ao adentrar no local, percebe um homem que intenciona matá-la. Em uma cena cuja montagem rápida e eficaz somada à inventiva trilha de Hans Zimmer (que leva ao extremo o uso de rabecas, acordeons e flautas em uma brilhante mistura de estilos eruditos com músicas ciganas), tornam a perseguição e fuga de Holmes e do homem que pretendia assassinar Sim eletrizantes. Com a entrada da cigana na história, a trama começa a ser amarrada, uma vez que descobrimos que a mulher estava à procura de seu irmão, um anarquista com que possuía ligações com o Professor Moriarty.
Mesmo se passando em 1891, Sherlock Holmes – O Jogo de Sombras acaba sendo bastante atual, uma vez que apresenta uma trama gerada a partir da premissa do terrorismo. O Professor visa a guerra entre os dois países para que seu investimento em armas seja rentável. Desse modo, incentiva o conflito entre anarquistas e nacionalistas na Europa do século 19 com a intenção de assassinar um dos arquiduques alemães presentes na Conferência de Paz na Suíça. Até chegar nesse ponto, explosões em locais públicos já se fizeram presentes, deixando clara a seriedade das motivações de Moriarty.
Holmes e Watson seguem, então, no encalço do Professor, que ameaçou matar o amigo médico do detetive caso este não desistisse de sua investigação. Com um timing cômico perfeito, a sequência do trem, onde o detetive precisa convencer seu parceiro médico a ajudá-lo é hilariante justamente por conta da já citada química nos diálogos entre os dois. Após nada menos que jogar Mary, a recém esposa de Watson, trem afora por sobre uma ponte, Holmes explica ao incrédulo Watson que “tinha tudo calculado”. Não somente esse ato, mas toda sua ardilosa entrada no trem, que conta com uma artilharia pesada e soldados do exército de Moriarty prontos para matar os dois, também é calculada com uma precisão exata por Holmes, em uma cena que, de tão precisa, chega a confundir um pouco o espectador.
Apesar de certos momentos confusos, como a ideia de precisar explodir um hotel onde uma reunião política acontece com o intuito de disfarçar a ação de um atirador de elite (ora, a vitima da bala do atirador já não ia morrer de qualquer forma com a explosão?), O Jogo de Sombras não perde o ritmo em momento algum do filme, mantendo boas sequências de ação e um clímax elegante com o confronto entre Holmes e Moriarty durante uma partida de xadrez repleta de alegorias à rivalidade dos dois gênios.
Com eficaz trabalho de reconstrução de época, a Londres do século 19 apresentada aqui continua com a mesma excelente representação vista no primeiro filme, um período onde a sujeira infestava as ruas e a fumaça das chaminés tornava a cidade vitoriana ainda mais cinzenta. A fotografia de Philippe Rousselot repete a qualidade imposta ao original (um dos pontos que mais se destacam são as mudanças de tom que a imagem possui quando os pensamentos previdentes de Holmes são representados). Além disso, Guy Ritchie revela uma direção segura que, mesmo consciente de estar lidando com um blockbuster, consegue inserir algumas das características de sua filmografia desde Jogos, Trapaças e dois canos fumegantes, como as câmeras lentas em breves momentos durante as cenas de ação.
Com inserções de novos personagens (Stephen Fry no papel do irmão de Holmes rouba a cena) e um final com um gancho para uma continuação que não insulta a inteligência do espectador, a nova aventura do detetive inglês consolida uma ótima parceria entre o diretor e Downey Jr. tornando o leque de personagens do ator ainda mais diverso. Afinal, é para poucos interpretar na mesma década o Homem de Ferro, Sherlock Holmes e um soldado negro (?!) no Vietnam e ainda ser indicado ao Oscar por isso.