Segredo dos seus Olhos

O Segredo dos seus Olhos (El Secreto de sus Ojos, 2009), de Juan José Campanella, ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2010. A partir disso, escreveram muito sobre a suposta superioridade do cinema argentino sobre o brasileiro. Falou-se da elegância e inventividade do cinema deles e da falta de qualidade do nosso. Sobrou até para Glauber Rocha, dizendo-se que as nossas supostas mazelas existem pelo fato de não nos desgrudarmos de sua figura.

A polêmica, em si, é boba, mas vale um posicionamento breve.

Primeiro: grandes autores do cinema mundial passaram a vida sem ganhar grandes prêmios em festivais. Alfred Hitchcock, por exemplo, jamais ganhou um Oscar.

Segundo: o cinema argentino tem boas e péssimas películas, assim como o cinema brasileiro. Coloco num mesmo patamar de interesse as obras de Lucrecia Martel, Pablo Trapero, Marcelo Gomes, Karin Ainouz, Cao Guimarães e Beto Brant, entre outros. Eu vou correndo ao cinema ver um filme novo de qualquer um desses cineastas.

Terceiro: incrível a força de Glauber e sua obra, que é lembrado até mesmo em assuntos que não lhe dizem respeito, em absoluto.

Passando pela polêmica, O Segredo dos Seus Olhos é um filme bem estruturado, bem realizado, com bons atores e uma história sedutora. Fala-se aqui de um crime e de amor, mas também, e sobretudo, de política. Estamos em 1974, momento turbulento e que precede forte ditadura na Argentina. Ricardo Morales (Pablo Rago) recebe a terrível notícia de que sua jovem esposa foi assassinada de forma brutal e incompreensível. O crime será investigado por Benjamín Expósito (Ricardo Darin), que nutre forte paixão por sua chefe Irene (Soledad Villamil). O sentimento de Benjamin é correspondido, mas a paixão não é consumada, sem que existam razões concretas para o impedimento.

A bela jovem assassinada do filme é uma metáfora para um país que foi levado para um caminho tortuoso e sem volta. Como esquecer? Como perdoar tantos assassinatos sem razão alguma de existir? Cerca de 30 mil pessoas desapareceram na Argentina, muitas de forma gratuita, sem nenhuma relação aparente com política ou qualquer coisa que seja. O trauma ainda é forte num país marcado por tanto horror. Uma estranha relação se estabelece entre torturador e torturado, assassino e membros da família vitimada. Um não pode mais viver sem o outro, estão presos até o final de suas existências. Em O Segredo dos Seus Olhos, Morales viverá para punir cruelmente o assassino de sua esposa. Não lhe interessa a pena de morte, simplesmente. Morales o quer vivo, sofrendo o mais cruel dos castigos.

Do outro lado, temos uma história de amor guardada, sedada, mas que não morrerá. Poderá ser reiniciada, mesmo que décadas depois. É uma possibilidade de recomeço para quem sobreviveu ao período de torturas, mas também deixou de realizar coisas, viver situações e dar pleno curso às suas vidas. É a possibilidade de recomeço para todo o país.

Campanella não diz que se deve optar pelo perdão ou pela punição aos torturadores e assassinos do regime militar, mas nos revela um momento específico, um retrato atual de uma população.

Nos revela tudo com muita inteligência e sobriedade, sem sensacionalismo. A história narrada está impregnada por aquele período, sem que seja necessário exacerbá-lo. A política entra de forma sutil, está no cotidiano, nos diálogos, mesmo que não mencionada.

É verdade que O Segredo dos Seus Olhos possui um roteiro que predomina sobre todos os demais elementos, nos levando, muitas vezes a contragosto, a resoluções fáceis. É verdade ainda que, focado essencialmente nas relações amorosas, muitas vezes o longa lembra uma novela brasileira.

O Segredo dos Seus Olhos é o tipo de filme que aposta suas fichas na conquista do espectador, utiliza de todos os meios para conseguir tal feito. Arrisca-se de maneira perigosa, mas, ao final, consegue!

 

Por Cláudio Marques

Visto no Espaço Unibanco de Cinema – Glauber Rocha