Por Rafael Saraiva

No período de um mês de diferença, dois filmes lançados no circuito comercial brasileiro enfim demonstraram algo próximo das grandes possibilidades oferecidas pela tecnologia 3D tão ventiladas após o estrondoso sucesso de Avatar. Em a Invenção de Hugo Cabret, Martin Scorsese não se privou dos recursos tecnológicos para contar um pouco da história do próprio cinema, estabelecendo um diálogo muito interessante (e metalinguístico) sobre como a ilusão do espectador se dava e se dá em épocas tão distintas, mas com resultados semelhantes. E agora em Pina, Win Wenders utiliza as três dimensões em um contexto bem fora do esperado: um tributo à coreógrafa alemã Pina Bausch.

Afinal, o 3D é geralmente associado a histórias fantásticas, cheias de efeitos visuais ou em animações. Por isso, utilizar essa tecnologia em um documentário pode causar estranhamento em um primeiro momento. Mas o diretor não decepciona, e faz um dos usos mais impressionantes da técnica até agora. Vários números criados pela coreógrafa aqui são apresentadas de modo a encher os olhos de qualquer espectador, até daqueles sem interesse por dança. O palco ganha profundidade, e os dançarinos se espalham por ele como peças em um tabuleiro. O resultado da ação dos corpos em três dimensões é especialmente fascinante em Le Sacre du Printemps, onde grupos separados de homens e mulheres se dispõem em formas geométricas com movimentos coreografados, e a noção de volume se torna ainda mais perceptível. Já em Café Müller, a câmera, em parte do tempo posicionada como se estivesse na plateia do teatro, registra diversas ações acontecendo simultaneamente em diferentes pontos do palco sem nunca recorrer a um ajuste de foco para guiar a visão do espectador.

Mas os números encenados não se restringem apenas ao espaço do Tanztheater Wuppertal Pina Bausch. Em vários momentos, há passagens acontecendo no meio da cidade e em locações diversas como jardins, bosques e fábricas. E aí o visual consegue ficar mais impressionante (a cena do dançarino musculoso simulando os braços da dançarina que se encontra em sua frente é daquelas para guardar na memória) pois agrega uma série de novos elementos em movimento em cena, além da própria câmera do diretor se movendo livremente pelo ambiente. Um apuro técnico impecável, que ainda é beneficiado por um trabalho sonoro minucioso, que capta até mesmo os mais discretos sons, como um batidas no tablado, o barulho de água em Vollmond ou o simples arrastar de cadeiras, criando uma imersão forte.

Dito isso, é uma pena que, conceitualmente, Pina revele-se um filme tão confuso, com diferentes abordagens disputando entre si a tela. Muito dessa indecisão pode estar relacionada com a morte da coreógrafa, pouco antes do início da produção do longa (ela faleceu em junho de 2009). Assim, a homenagem que ela receberia em vida se transformou em um tributo póstumo, e o documentário parece contagiado por esse sentimento de luto – e ao incluir diversos depoimentos dos dançarinos do grupo da coreógrafa, essa percepção acaba amplificada, pois, invariavelmente, eles discorrem o tempo todo sobre o fato. E a obra tem dificuldades em traçar um perfil de Pina Bausch a partir da fala de terceiros, já que as opiniões individuais exibidas são distintas: há aqueles que se referem a ela como amiga, outros como mestre ou professora; uns falam do modo afetivo como recebiam seus conselhos, outros comentam como a coreógrafa era reservada; e há aqueles que simplesmente não falam nada, se mantendo em silêncio em frente à câmera (uma inclusão bem sacada). Por tudo isso, o longa diz mais (e funciona melhor) sobre esses dançarinos e o jeito que encontraram para levar adiante o legado da companhia de dança do que sobre a própria Pina – e é óbvio que se estivesse viva, o tom da obra seria diferente. Essa indecisão acabou por fragilizar o gacho emocional que o documentário poderia ter comigo, ainda mais pelo fato do meu conhecimento prévio sobre a coreógrafa e seu trabalho ser mínimo.

E assim, emocionalmente estéril, Pina se torna cansativo se analisado apenas pelas suas virtudes visuais, capazes de chamar a atenção de qualquer desavisado, mas que não são suficientes para carregar seus 103 minutos de duração sem desgaste. Claro que os fãs da Pina Bausch e de dança em geral devem oferecer uma resposta mais positiva ao filme, mas senti falta de ser fisgado. Ainda assim, um diretor do calibre do Win Wenders mostrar possibilidades verdadeiramentes interessantes para o uso do 3D é sempre gratificante e benéfico para o cinema, ajudando a derrubar a péssima impressão criada pelas produções pós-convertidas que inundam as salas quase toda semana. A arte agradece.