Por Rafael Saraiva
O cinema de ação vive uma abstinência de ídolos. É só tirar pela média de idade em um filme como Os Mercenários para notar que os anos passaram para todos aqueles astros que viveram tempos de glória nas décadas de 80 e 90. E em um grupo com tantos cinquentões e sessentões, o bastão foi passado justamente para o “caçula” (mas que não é nenhum menino, já que tem 43 anos) da turma, Jason Statham. Embora tenha começado discretamente com papéis coadjuvantes em filmes britânicos como Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes, Snatch – Porcos e Diamantes e Penalidade Máxima, a partir de Carga Explosiva (2002) foi alçado ao patamar astro de ação, e de lá pra cá já são dez anos com uma quantidade considerável de filmes onde distribuiu socos, pontapés e tiros com eficiência, sempre acompanhado de poucas palavras, humor seco, elegância ao se vestir e um carisma nato. Ou seja, a receita exata para ser um ídolo do gênero.
E em Os Especialistas não é diferente. Reprisando mais uma vez esse tipo clássico, Statham é Danny, um ex-mercenário obrigado a voltar a ativa para resgatar seu mentor. E o ator, para variar, está muito à vontade, convencendo nas várias cenas de ação presentes no longa do início ao fim. E não importa se é em uma fuga desesperada, luta corpo-a-corpo, troca de tiros, ou perseguição de automóveis, Statham está lá, fazendo aquilo como se fosse a coisa mais natural do mundo, e sem nem amarrotar o paletó. Aqui ele ainda é acompanhado por dois parceiros, Davies (Dominic Purcell, bem menos sisudo que de costume) e Meier (Aden Young), e a dinâmica do trio, na preparação das suas absurdas missões ao redor do mundo e nos momentos de descontração, dá a tônica do que Os Especialistas tinha tudo para ser: um filme de ação descompromissado.
Mas curiosamente esse não pareceu ter sido o objetivo dos seus realizadores. A começar pelo infame letreiro de “inspirado em fatos reais” estampado logo no início (para passar alguma relevância e peso ao que será retratado) o filme tenta a todo momento se levar mais a sério do que deveria. Há uma tentativa insistente de imprimir um tom político à trama, e é justamente aí que Os Especialistas derrapa. Afinal, o roteiro mal arranha a superfície do que seriam as consequências de todos aqueles eventos no mundo real, e ao trabalhar desse jeito um tema como “violência gera mais violência”, é difícil não pensar no longa como um “Munique” bem piorado.
Mas os problemas não param por aí, e começam já no evento detonador do longa, o sequestro de Hunter (Robert De Niro). O que era para ser a grande motivação das ações do protagonista, acaba ficando tão em segundo plano que em certo ponto mal dá para lembrar que aqueles mercenários estão cumprindo aquelas missões para libertá-lo (e o fato do veterano ator estar em mais uma de suas atuações no piloto automático e sumir por longas passagens não ajuda). E sobra para a atriz Yvonne Strahovski o ingrato papel de não só ser o gancho para os irrelevantes flashbacks do personagem do Statham durante voos de avião (auge da cafonice), como também servir de donzela em perigo durante o terceiro ato.
E nessa mistura indigesta que Os Especialistas se tornou, é uma pena ver um dos poucos elementos sérios que funciona, Spike (Clive Owen), ser desperdiçado. O caolho é um ex-agente britânico constantemente inconformado com a realidade em que vive (vide a cena em que encara os punks no bar e a sua expressão de decepção ao adentrar seu prédio sucateado), mas ainda obstinado em lutar com todas as forças pelo antigo status quo. Assim, é estabelecida uma relação interessante entre Danny e Spike: embora o primeiro seja incontestavelmente superior em todos os aspectos (força física, recursos, habilidades), o segundo consegue se tornar um verdadeiro calo no sapato pela sua insistência, e vira um antagonista muito interessante. Uma pena que no clímax o personagem pareça tão deslocado, e não ganhe uma conclusão satisfatória.
Traído pelas ambições (ou seria indecisão?) de ser mais um filme de pancadaria e ser filme político, Os Especialistas acaba trocando os pés pelas mãos. Mas está longe de ser um fracasso que irá comprometer a carreira do Statham, em sua nobre (e quase solitária) missão de carregar a chama dos astros de ação.