
Orlando e as suas lavras tão preciosas
Por João Carlos Sampaio
Uma celebridade desembarca na Chapada Diamantina, na terra onde nasceu. Sua presença acaba mudando o cotidiano das pessoas, apesar de que ele quer apenas resgatar memórias e talvez amores. Esta é a sinopse “enviesada” de Diamante Bruto (1977), filme de Orlando Senna, que diz muito dele próprio. Não por acaso, a obra se constrói com não-atores, sem recursos, com a crença no talento que nasce da verdade do que é autêntico.
Diamante Bruto é somente uma peça da vasta contribuição de Orlando ao cinema, algo tão rico e evidente, que nem é preciso garimpar para se ter diante dos olhos. Quando saiu de Lençóis (nasceu na localidade de Afrânio Peixoto, em 1940) talvez não suspeitasse o quanto o cinema iria se tornar importante em sua vida. Tanto assim que ao finalizar os estudos no ensino médio, em Salvador, ingressou no curso de Direito.
Nos verdes anos, bem vividos na efervescente (ainda que provinciana) Bahia dos anos 60, Orlando Sales de Senna descobriu o gosto pelo teatro, pelo cinema, pelas artes. Colaborou com suplementos culturais nos jornais da capital e iniciou sua aventura no cinema. Com produção do contemporâneo e amigo Glauber Rocha, realizou o documentário Imagem da Terra e do Povo, parte das primeiras pepitas que garimpou.
No início dos anos 70, Orlando trabalhou com o Teatro de Cordel, em São Paulo. Depois, já no Rio de Janeiro, passou a escrever para jornais como Correio da Manhã, Última Hora e Jornal do Brasil. Aliás, sua pena, hábil em juntar as letras certas, acabaram por torná-lo não somente um escritor, mas um roteirista requisitado.
Trabalhou nos “guiões” de filmes como O Rei da Noite, Coronel Delmiro Gouveia, Abrigo Nuclear e Ópera do Malandro.
Como diretor e roteirista é coautor de um dos clássicos brasileiros dos anos 70, o notável Iracema – Uma Transa Amazônica (1974-76). Corajosa, a obra mescla ficção e documentário, denunciando a devastação do projeto de construção de estradas do governo militar.
O filme ficou proibido pela censura durante seis anos, o que não impediu que circulasse em festivais internacionais. Quando pôde estrear em solo pátrio, em 1980, saiu consagrado do Festival de Brasília. Ao lado do citado Diamante Bruto e de Gitirana, está entre os melhores trabalhos que o cineasta já realizou como diretor.
Por falar em direção, é justamente no comando do curso de cinema da Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de los Banõs, em Cuba, que Orlando expandiria as fronteiras de seu sonho por um audiovisual pungente no terceiro mundo. Ele foi um dos fundadores da escola, que só deixou já em meados dos anos 90.
De volta ao Brasil, Orlando Senna mergulhou no projeto audiovisual implantado pelo governo do Ceará. Contribuiu com o Instituto Dragão do Mar na louvável missão de formar mão-de-obra para o cinema. Depois disso, assumiu a função de subsecretário de Audiovisual da Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, no governo Benedita da Silva.
Em 2003, tornou-se Secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura, então comandado por Gilberto Gil. Por lá, lutou pelo projeto da Ancinav, que sofreu todo o tipo de ataque por estruturar a produção e o fomento do audiovisual a partir de uma visão democrática, com políticas que incomodavam interesses econômicos e poderes que não gostam de ser fustigados.
Em dezembro de 2007, virou o diretor geral da TV Brasil, de onde saiu para evitar tempestades e a eminência da má sorte, que é o maior dos infortúnios aos que vivem de peneirar preciosidades.
Seu jeito sereno, o sorriso inteligente e a maneira afável de lidar com as gentes e coisas não se confunde com o conformismo dos que abrem mão dos seus sonhos. Lapidado pelos anos, Orlando segue diamante, a cada dia nos ensinando um pouco mais.