Por Rafael Saraiva
Andrew Niccol é, sem dúvidas, um amante da ficção científica. Basta uma rápida olhada em seu currículo para notar os projetos em que esteve envolvido: em Gattaca, S1m0ne (ambos que dirigiu e roteirizou) e O Show de Truman (responsável pelo roteiro), ele utilizou as mais variadas situações do gênero como metáforas para discutir temas relevantes da nossa sociedade. E agora não é diferente em O Preço do Amanhã. Uma pena que o resultado final tenha deixado a desejar, por mais interessante que fosse sua premissa.
Afinal, imaginar toda uma sociedade construída e regida pela moeda “tempo” implica inúmeras possibilidades para trabalhar com diferentes temáticas, como poder, disputa de classes e relações interpessoais. E esse mundo visualizado pelo Niccol acaba sendo o grande atrativo de O Preço do Amanhã, com um trabalho cuidadoso em vários aspectos. É especialmente bem pensado como, nas áreas pobres, os habitantes andem naturalmente apressados (ou mesmo correndo) pelas ruas, enquanto que, em New Greenwich, a zona rica, as pessoas se desloquem sem pressa alguma (inclusive no trânsito). Esse cuidado na caracterização se estende também para outros departamentos, como o figurino: vale notar como a jaqueta do protagonista traz um zíper bem na manga, pela necessidade do rapaz de estar checando constantemente quanto tempo ainda lhe resta. Analogamente, o visual retrô de New Greenwich é muito coerente, seja nas roupas ou nos veículos, evocando ares mais calmos e formais do passado. Há também uma crítica forte ao individualismo que se tornou característico daquela sociedade (e, por tabela, da nossa também), sempre na busca de ganhar o seu tempo e nada mais – e justamente pelo comportamento diferente desse padrão que Will, o personagem principal, se destaca. E a própria ideia de ninguém aparentar mais do que vinte e cinco anos de idade é ótima, gerando sempre uma dúvida sobre as relações que as pessoas tem (como na boa cena onde Philippe apresenta sua sogra, sua mulher e sua filha). Além disso, o filme utiliza bastante locações reais da cidade de Los Angeles, com suas ruas ensolaradas e seu aspecto árido, o que dá um toque bem peculiar, se distanciando de qualquer idealização exageradamente tecnológica esperada de uma ficção científica. Tudo isso pode parecer irrelevante, mas, na verdade, diz muito sobre como aquela sociedade se organizou e fundamenta bem a idealização pretendida pelo diretor.
Uma pena que, de resto, O Preço do Amanhã seja tão desinteressante. Fora as boas ideias acima, o roteiro oferece muito pouco. Ainda que a jornada de vingança de Will faça sentido, todo seu envolvimento com Sylvia é sem graça e não convence, muito devido à falta de química dos atores em cena. Para piorar, a partir de certo ponto, o filme se torna uma espécie de Bonnie & Clyde genérico, preferindo investir em cenas de ação de qualidade duvidosa (outra grande deficiência do diretor) ao invés de explorar todo o potencial daquele mundo fantástico. E os diálogos não ajudam, insistindo a todo momento em frases com trocadilhos envolvendo tempo e dinheiro, em uma exposição desnecessária da temática abordada – como se não fosse óbvia desde o início. Tudo isso acaba por diluir mais e mais a força da película, que durante sua segunda metade se arrasta, mesmo não sendo tão longa assim (109 minutos).
Para piorar, o elenco não se destaca. Uma grande decepção foi a Amanda Seyfried que, mesmo em projetos duvidosos, sempre se mostrou uma jovem atriz interessante. Aqui ela está insossa, não funcionando como par romântico do Justin Timberlake, que faz um trabalho apenas correto. Johnny Galecki não conseguiu se livrar do estigma de nerd (devido à The Big Bang Theory), e é removido de cena tão bruscamente quanto foi introduzido. Já Alex Pettyfer está completamente perdido, como se participasse do filme errado. O único que parece tentar algo a mais é Cillian Murphy, fazendo do policial Raymond Leon uma figura dúbia e interessante até o final, com o pouco que o roteiro lhe proporciona.
Mas, no fim das contas, o que mais decepciona é um certo desleixo presente em vários momentos, fruto de uma série de saídas fáceis. Lá pela metade da película há uma cena de capotamento completamente gratuita e artificial, um verdadeiro coelho tirado da cartola pelo Niccol para mudar o foco da trama naquele momento. Já a polícia, embora sempre retratada em um quartel-general amplo e cheio de oficiais, parece depender apenas do Raymond Leon e seu subordinado ao investigar os crimes nas ruas. Mas a pior de todas é a contradição trazida pelo final, negando toda o individualismo pregado anteriormente em prol de em encerramento feliz e desnecessariamente idealista.
O Preço do Amanhã é um infeliz tropeço na carreira do Niccol, que mesmo ainda sem um grande filme para ser lembrado (curiosamente, o que mais chegou perto foi justamente seu trabalho que mais se afastou da ficção científica: O Senhor das Armas), é um autor de quem sempre espero mais, pela sua capacidade de ousar e contar novas histórias. Fico decepcionado de que dessa vez não tenha funcionado, mas ainda mantenho minhas fichas apostadas nele.