O Palhaço
Por Ramon Coutinho
Diante do espelho, o homem pinta o rosto e se depara com a própria seriedade diante das cores alegres. Em outro momento uma espectadora conversa com ele depois do espetáculo e ri, mesmo quando ele não tem intenção de fazer rir. As sequências que norteiam “O Palhaço” são muito objetivas na construção de uma história simples, não realista, e principalmente autobiográfica. É o ator/diretor – por sinal um dos mais conhecidos – que resolve se entregar aqui, e pra que essa dose de desnudamento seja eficaz, nada melhor que a figura circense que rodeia imaginários desde sempre.
A crise e o reencontro com a própria identidade, o questionamento da vocação, a homenagem ao fazer artístico; tudo ganha uma singela representação através das cores, dos enquadramentos, ampliando a beleza de cada tema, por mais comuns que eles pareçam. É desse “comum” – tão caro ao cinema – que “O Palhaço” se aproxima, se expande em nós, lendo conflitos sem cair numa preguiça piegas qualquer. Se “Feliz Natal” se afirmava com peso na dor do reencontro, ”O Palhaço” busca leveza, em uma melancolia colorida, preenchida de luz e risos bobos. O traço autoral de Selton Melo se apropria desse habitual, do que todos estamos acostumados (a festa em família, a crise profissional, o circo de cidade em cidade) pra que daí outras histórias sejam recriadas. Talvez por isso o filme se esforce tanto pra resgatar figuras tão populares e meio esquecidas como Moacir Franco, Ferrugem, Jorge Loredo (o Zé Bonitinho), tendo uma trilha sonora recheada de músicas bregas. Cinema de ternura e nostalgia, como aqueles álbuns antigos dentro de um baú, meio como um filme dos Trapalhões que todo mundo lembra uma parte.
Os objetos que norteiam o filme são como brinquedos perdidos de sua função: a certidão de nascimento, o nariz de palhaço e, claro, o ventilador. É a miragem da tranquilidade que interroga o “ser ou não ser”, colocando a arte mambembe versus a vida das burocracias, do número da identidade, de endereço fixo, da hora de chegar, sair, sorrir. Daí que todos os personagens acabam infantilizados e inocentes em seus medos e sonhos nesse mundo de carimbos. O circo e esses outros personagens – mesmo tão ricos e interessantes – acabam servindo como apoio pra enriquecer o conflito de Benjamim, e por isso eles seguem, cientes de sua vontade coletiva.
O filme de Selton Melo está marcado por uma necessidade quase simétrica de se resolver, se arredondando em suas pequenas equações, mas é notória sua inquietação constante com a própria arte, e o próprio fato dele ter se tornado diretor, produtor, ator e roteirista é prova dessa necessidade: fazer rir, rindo. A escolha pelo retorno, acima do individualismo, em prol do trunfo da reapresentação da beleza, inocente, capaz de agrupar gargalhadas em torno das artes mais antigas, dos filmes mais simples em suas nobres intenções.