Moscou

Em Jogo de Cena, Coutinho se reinventou e se superou como cineasta ligado à realidade e à palavra. Ali, o diretor colheu depoimentos, histórias de vidas de diversas mulheres que atenderam a um chamado num jornal. Depois, misturou tais relatos à encenações de algumas atrizes. Umas mais, outras menos conhecidas. Assim, dá-se um nó na cabeça do espectador, que tenta entender, o tempo todo, o que é “verdade” e o que não é. Aproveita-se, e fala-se sobre o trabalho do ator, em depoimentos extraordinários e carregados de emoção. Um filme incrível, marcante em nossa cinematografia, um dos melhores dos últimos tempos.

Moscou bebe da fonte inaugurada em Jogo de Cena, mas não tem a mesma força de seu antecessor. Desta feita, estamos em Belo Horizonte, na casa do grupo Galpão, que completa XX anos. Coutinho dá as regras do jogo. Ele propõe ao grupo um filme a partir do ato criativo em torno de um texto, As Três Irmãs, do russo Tchecov.

Em princípio, dada a experiência do longa anterior, imagina-se que três camadas irão se sobrepor: ensaio, peça em si e filme. Seria um novo “jogo de cena”.

Mas, não! Entende-se logo que estamos num grande ensaio e que isso faz parte do filme. Não existem as tais três camadas (ensaio, teatro, filme) que se misturam, salvo raros instantes, sobretudo no início. E esse início é o melhor do filme.

O ensaio acontece em função da equipe de cinema. Mas, não é um teatro filmado, é bom que se diga. É um filme que se passa num teatro. É um filme-teatro!

Moscou possui descarga emotiva baixa, algo que foge ao perfil de Coutinho. Um dos seus trunfos, aliás, é, através das entrevistas psicanalíticas, extrair fortes doses de emoção de seus personagens. Basta lembrar o senhor cantando My Way, em Edifício Master, por exemplo. Moscou é um filme da cabeça (razão) e não do coração (emoção).

Se em comparação com Jogo de Cena, Moscou revela-se menos instigante, o filme, de toda forma, não deixa de valer à pena.

Em primeiro pela elegância e sobriedade como Coutinho filma.

Por outro lado, o cineasta, no alto de seus setenta e tantos anos, continua trabalhando no sentido do risco, da tentativa de trazer elementos novos ao fazer documental.

Moscou vale muito, também, por que traz o Grupo Galpão em ação. Os atores são estranhamente normais. Gente comum. Não são jovens de vinte-e-poucos, mas possuem um frescor, atuam com amor, estão completamente dentro de Moscou. Estão à vontade e conferem vida ao inteligente texto de Tchecov.

É um filme simples, discreto e inteligente.

 

Por Cláudio Marques