
Meu País
Por Rafael Carvalho
Se o título “Meu País” parece apontar para a ideia de uma história calcada no patriotismo, essa noção é falsa. Porque André Ristum estréia no longa-metragem de ficção com um drama familiar sólido e sóbrio, com grande respeito e carinho por seus personagens. Com a morte do pai, Marcos (Rodrigo Santoro), depois de muito tempo morado na Itália, vida profissional estabelecida, precisa voltar ao Brasil. É o típico caso do filho pródigo que retorna ao lar, tendo de lidar com as sombras do passado.
E esse processo de retorno talvez seja um dos maiores culpados por essa falsa ideia de idealização nacional. O que traz Marcos de volta e o faz rever e enfrentar uma série de problemas são os resquícios da família do qual pouco tinha contato. É preciso deixar em ordem os negócios do pai, pagar as dívidas que ele deixou, assim como resolver os problemas financeiros do irmão Tiago (Cauã Reymond). Como se não bastasse, ele descobrirá uma irmã (Débora Falabella), fruto de um caso extraconjugal do pai, internada numa clínica psiquiátrica, embora esteja numa fase menos problemática da doença e necessitando dos cuidados da família.
Marcos precisa, então, por em ordem essas questões, ao mesmo tempo em que se enrola com os próprios problemas profissionais na Itália e com a namorada italiana que veio ao Brasil com ele (vivida por Anita Caprioli). Dessa forma, ele descobre, no país, uma certa necessidade de estar presente ali, assim como as descobertas de um núcleo familiar da qual faz parte parecem lhe preencher de algum modo (e as imagens desfocadas de uma praia no início do filme representa bem isso, ganhando sentido na belíssima conclusão da história).
É talvez nesse sentido que a noção de pátria pode surgir como ideário de pertencimento, mas não pelo Brasil em si, mas porque sua família, suas raízes e lembranças ali se encontram. O caráter universal dessa história poderia situá-la em qualquer outra parte do mundo.
Meu País, ao passo que revela um tom melancólico constante, constrói um drama familiar seguro, sem excessos. E esse cuidado é ainda mais necessário à narrativa porque Marcos vai passar por um processo de mudança na sua forma de enxergar aquelas pessoas como sua (verdadeira) família, apesar dos problemas que eles trazem consigo. E é muito bom perceber como a narrativa vai dando pistas para que essa mentalidade seja transformada aos poucos e consistentemente no personagem.
Para isso, vale destacar a sobriedade de um Rodrigo Santoro que confere personalidade a seu Marcos, da mesma forma que Cauã Reymond (que tem mostrado uma evolução considerável como ator). Débora Falabella não fica atrás numa personagem difícil porque é facilmente caricatural, mas que nas suas mãos ganha sutileza (e segue, de uma forma, geral, o próprio tom do filme, sem excessos). E ainda há Paulo José numa pequena participação, que rouba a cena (mais uma vez este ano, depois de O Palhaço) como o pai recém falecido.
No entanto, o filme não está livre de alguns momentos mais carregados dramaticamente, apontando para o choro, como aquele envolvendo um vídeo gravado pelo pai antes de morrer. Ou mesmo a trama arriscada na qual seu irmão irá se envolver mais ao final da história. De qualquer forma, há de se louvar esse tipo de produto que o cinema brasileiro poucas vezes consegue fazer com qualidade, sem abusar do dramalhão que tanto persegue nossas produções. Meu País, pela sinceridade e coesão narrativa, se revela uma das grandes surpresas do ano em nosso cinema.