Por Washington Santos Oliveira

Essa semana voltarei um pouco no tempo para falar sobre o memorável filme cubano Memórias do Subdesenvolvimento. O interesse pelo filme começou a partir do contato que tive com o relativamente recém-lançado Memórias do Desenvolvimento, o qual comentarei em uma outra oportunidade. Os dois filmes são adaptações cinematográficas feitas em diferentes contextos por diferentes diretores a partir de duas obras literárias homônimas do escritor cubano Edmundo Desnoes, que já consta na minha lista de escritores a serem lidos em 2012.

Memória do Subdesenvolvimento é uma ficção de 1968 e foi rodada em Havana pelo diretor e roteirista Tomás Gutiérrez Alea. O filme discute a situação de Cuba logo após a sua revolução socialista, através do olhar de Sérgio, um cubano pequeno-burguês de 38 anos que decide permanecer no país depois que sua família foge para os Estados Unidos.

Sérgio é um personagem decadente que tenta encontrar sentido para sua vida através do esforço para compreender as mudanças pelas quais passaram o seu país, o seu povo e ele mesmo. Mas o que mudou? Ao olhar de seu confortável e espaçoso apartamento para a cidade de Havana ele ainda não é capaz de responder adequadamente para si mesmo a pergunta que ele havia formulado: afinal “foi a cidade ou fui eu que mudou”?

Na opinião inicial de Sérgio ainda é tudo o mesmo. A cidade mantém os mesmos fluxos desregrados e o seu povo continua apático e com a consciência estanque. E quanto a ele? Ele ainda está preso demais as suas memórias para se dar conta do presente.

Mas ao mesmo tempo, ao decidir não fugir de Havana para encontrar a si mesmo nos escombros da sociedade que já não é mais, ele já é livre para se situar enquanto indivíduo que questiona o seu lugar na antiga e na nova sociedade. Despedir-se do pai, mãe e esposa e, mais tarde, do amigo Pablo foi para Sergio como livrar-se do seu enclausuramento intelectual e dependência afetiva no núcleo dos próximos. Deste modo, ele pode se abrir a uma postura mais questionadora e de interpretação da realidade de seu país e de seu lugar enquanto indivíduo nas relações que ora se estabelecem.

Aqui a questão do indivíduo em meio ao processo de “revolução das massas” é um tema incisivamente tensionada pelo próprio protagonista nas suas falas e se mostra aos nossos olhos por meio dos frágeis laços que ele estabelece na trama.

Outras tensões são muito bem trabalhadas no filme. A própria obra, que é uma ficção, por vezes, mostra nuances de documentário de denúncia e tenciona com insistência o passado trazido da memória de Sérgio com aquilo que se apresenta no filme como sendo o presente do personagem. No que diz respeito a esse presente, ele é fantasiado com frequência por imagens sexualizadas das mulheres desejadas.

Mas uma das relações com essas mulheres não é apenas uma fantasia. Elena (Granados) é mais real do que ele mais tarde desejaria que fosse. Ela é uma mulher desequilibrada que, ao se entregar para Sérgio depois de tantos impasses, cobrará através da sua família e dos tribunais reparação por uma suposta virgindade violada.

Para Sérgio, Elena era uma mulher alienada que resumia em si uma das principais características do povo cubano em seu subdesenvolvimento, ou seja, a “incapacidade de relacionar as coisas e acumular experiência para evoluir”. Ao afirmar isso Sérgio já se coloca em uma posição adiante, pois ele particularmente já se percebe numa situação oposta a essa.

Mas sua angustia não é superada porque se sente em uma condição mais elevada de consciência. Um pequeno burguês intelectualizado vivendo em um país subdesenvolvido que acaba de passar por uma revolução proletária, não poderia ser outra coisa senão um buraco atravessado pelas mais variadas contradições. Contradição política e psico-social.

Essas contradições são tão intensas que a narrativa não poderia realmente acabar nessa obra. Como ocorre com o livro, o filme também terá sua merecida continuação. Tomás Gutiérrez Alea, no entanto, na parte que lhe coube, soube trabalhar muito bem para transformar o filme em um clássico que fala por si.