
Medianeras: Buenos Aires na Era do Amor Virtual
Por Rafael Carvalho
Medianeras tem início com uma narração em off das mais interessantes. Apresenta a cidade de Buenos Aires e seu caráter de metrópole a partir da construção totalmente irregular de prédios e edifícios que desenham uma certa desordem urbana na capital argentina. Parte disso para metaforizar a vida das pessoas que seguem um rumo de vida indefinido uma vez que vão construindo seu caminho à medida que o percorrem, sem planejamento, reféns do acaso e do caos da cidade grande.
Pois Medianeras é um filme sobre como essa urbanidade do mundo contemporâneo afeta os relacionamentos pessoais, como dificulta as possibilidades de encontros e, por sua vez, favorece os encontros virtuais, outra variável com que o filme trabalha. Mariana (Pilar López de Ayala) e Martín (Javier Drolas), dois jovens solitários e socialmente fugidios, vivem em prédios vizinhos, se cruzam pelas ruas, mas não se conhecem.
Ao mesmo tempo, o longa deixa evidente como esses dois personagens parecem feitos um para o outro, são o par ideal, mas esbarram na dificuldade do encontro. Ambos os protagonistas compartilham neuroses sociais, fobias e relacionamentos passados que trouxeram marcas. Vivem num mundo recluso e mal saem de casa. No trabalho, têm o mesmo distanciamento com o mundo social (ela arruma vitrines de lojas, ele constrói websites). E é essa mesma vida com pontos em comum a responsável pelo desencontro das caras metades.
Nesse sentido, o filme tem plena consciência dessa dificuldade de encontro e nunca força essa aproximação, soando assim muito mais sincero com seu universo temático e conosco, expectadores. Daí, se torna um trabalho atípico, pois, se podemos chamá-lo de drama romântico, trabalha com outras situações que não a interação entre os protagonistas. Permanece a tensão pela possibilidade de que os dois, enfim, se percebam, se realizem, juntos.
Assim, o grande mérito do filme é de manter o ritmo narrativo e o interesse por esses dois jovens sem que eles praticamente se encontrem. Passamos a nos importar com eles e com as situações que lhes surgem (como os encontros atrapalhados que têm com gente com quem pouco tem haver) e com sua rotina sem grandes atrações. Para tanto, o filme conta com o carisma dos dois atores, fator imprescindível para que a torcida dê certo.
Além disso, como eles estão na maior parte do tempo sozinhos, a voz em off dos próprios personagens faz bastante sentido na narrativa e não cansa, principalmente porque é bem escrito, tem leveza e é sincero. O filme funciona como um diário duplo intercalado pelo discurso fílmico que mais observa do que interfere na vida dessas pessoas.
Filmado com a sutileza necessária para se respeitar o passar arrastado do tempo que tanto condiz com os personagens e sua rotina de vida, Medianeras ainda ganha reforços por um texto bastante caprichado, também assinado pelo diretor Gustavo Taretto nesse que é seu primeiro longa-metragem. Portanto, um projeto a se louvar.