Maradona por Kusturica

O sérvio Emir Kusturica é um dos grandes cineastas vivos. Já ganhou duas Palmas de Ouro em Cannes com Quando Papai saiu em Viagem de Negócios (1985) e o incrível Underground (1995), um filme profético e síntese sobre a guerra que desintegraria a Iugoslávia.

Além de cineasta e músico (www.thenosmokingorchestra.com/), Kusturica é ativista político e adora futebol. As duas coisas se misturam completamente, aliás.

E foi numa partida disputada durante a Copa do Mundo de 1986, quando a combalida Argentina, recém saída da Guerra das Malvinas e de uma das piores ditaduras existentes, venceu a poderosa Inglaterra com dois gols de Maradona, que Kusturica apaixonou-se pelo jogador.

Não foram gols comuns. O primeiro, foi de mão. A mão de Deus, como diria Maradona tempos depois. Já o segundo, foi uma verdadeira obra de arte. Maradona partiu da intermediária, driblou meio time inglês e o goleiro, antes de comemorar. Para muitos, o mais belo gol já feito.

A dimensão política daquele jogo inebriou Kusturica e o fez se apaixonar pelo jogador que levaria a Argentina ao seu segundo titulo mundial.

Maradona por Kusturica, o documentário, é um emaranhado de imagens, entrevistas, acontecimentos e encontros que se sucederam durante três anos de realização. Um filme guerrilha, sem preocupações estéticas maiores. Importa o registro, o encontro entre esses dois grandes personagens, Kusturica e Maradona.

No início, dá uma sensação de uma bagunça redundante, promovida por um fã, o próprio cineasta. Maradona passa a ser enaltecido por suas proezas a cada fotograma, sem descanso para os sentidos do espectador.

Mesmo os seus belos gols, mostrados repetidas vezes, passam a maltratar os olhos.

Mas, não ficamos por aí. O jogador argentino é um anti-herói. Um semi-deus com a bola nos pés, mas um ser humano frágil, medroso, inseguro, carente fora dos gramados. Mesmo aposentado, o Maradona costuma freqüentar céu e inferno, em espaço de tempo curto.

Demagogo, histérico, emotivo, ele parece uma grande criança mimada. Não tem muita coisa na cabeça.

Mas, sua fragilidade o fortalece, o humaniza, o torna querido e bem visto por milhões em todo o mundo. Um herói repleto de super-poderes, mas facilmente derrotado por si mesmo. Trata-se de um personagem na maioria das vezes desinteressante.

Kusturica constrói o filme em torno dessa ambigüidade, sem nunca deixar de tratar seu ídolo de forma carinhosa.

Já quase no final do filme, a aparição de Manu Chao cantarolando “La Vida Tômbola” leva um frescor incrível ao filme. Tanto a musica como a cena penduram na memória.

Maradona por Kusturica vai se azeitando, no final das contas, e termina muito melhor do que começou. Imperfeito como o craque!

 

Por Cláudio Marques

Visto no Unibanco Arteplex, Mostra Internacional de São Paulo