Um tema sério, tratado com rigor e respeito pela cineasta Maria Augusta Ramos. Em Juízo, que teve primeira exibição no Festival do Rio de Janeiro, Maria Augusta Ramos acompanha os julgamentos de diversos adolescentes, presos por roubo e até mesmo morte, na capital fluminense. Neles, os juízes decidem quanto à liberdade ou internamento dos jovens infratores, sendo que na maioria dos casos a decisão recai para um meio termo, ou seja, liberdade assistida.

Apesar dos ambientes hostis e nada atraentes para um filme (escritórios fechados, cadeias sujas e escuras), Maria Augusta estabelece narrativa envolvente, densa, em que compreendemos a fragilidade dos meninos e incapacidade do estado em oferecer opções de reeducação e inserção social. Ao invés disso, há toda a pompa do judiciário, que com suas roupas e linguajar próprios estabelece monólogo kafkiano. O judiciário, aqui, ocupa-se de um trabalho árduo, numa jornada estéril e sem sentido. “Cabe ao executivo legislar e a nós julgar”, defende-se em determinado momento uma juíza, a personagem mais constante do filme. Ela é impaciente, dura com os meninos, de uma forma geral. Segue o filme dando lição de moral, dizendo aos meninos o que eles deveriam ou não fazer.

Numa seqüência, por exemplo, desenrola-se o julgamento de uma garota. O crime foi considerado leve por juíza e advogados, o que dá o direito à garota de encerrar o processo e voltar para casa. Mas, a adolescente surpreende a todos ao dizer que prefere a reclusão, pois em casa é pior. Nesse momento, a juíza, estressada, abandona o recinto. Na volta, afirma não suportar “meninas mimadas”.

O caminho mais fácil nos leva a estabelecer a juíza como a vilã dessa história toda, mas a trama é complexa, não se deve precipitar. A irritação da juíza é do tamanho de sua impotência, reveladora de um estado de caos digno de Kafka.

Se num primeiro momento a constância dessa personagem irrita, não apenas pela dureza e aparente insensibilidade, mas também pela voz fina e gritada, entende-se que a juíza está reagindo; ela se mostra viva, não está sedada diante de todo o processo.

Num outro julgamento, a juíza, em suas intermináveis lições de moral, aponta para um adolescente e vaticina: caso ele não tome jeito, não ganhe novo rumo, por certo os traficantes o buscarão e o jovem perderá a vida. A bronca surge como último recurso, quase mesmo desesperado, pois a juíza sabe do que está falando e o espectador entende isso um pouco mais tarde.

Juízo é um documentário de observação, mas que busca na ficção auxílio importante, uma vez que a identificação de menores infratores é proibida por lei. Desta forma, a diretora optou por atores, mas somente no momento em que os rostos devem aparecer. Os demais personagens (juízes, promotores, defensores, agentes, pais dos adolescentes) e situações são reais.

Os julgamentos são filmados com os meninos de costas para a câmera. No momento em que eles interferem, os atores entram em ação, em cenas gravadas posteriormente. Os atores-adolescentes, todos eles, estão muito bem, conferindo realismo impressionante às situações, todas elas.

O cuidado e respeito do longa ficam ainda mais evidentes nas tocantes cenas realizadas no local de reclusão, o Instituto Padre Severino. A angústia da espera de uma mãe, o abraço emocionado no momento do encontro, o colo demandado pelos jovens já vistos como infratores, mas decididamente ainda crianças, os tempos mortos dos jovens em reclusão… que situação angustiante! Como lidar com isso tudo?

Por fim, vale registrar a forma primorosa com que Maria Augusta resolveu terminar a película. Juíza e advogados não entendem o que se passa, pois julgam o caso de um jovem que havia ganho L. A. e mesmo assim resolveu fugir.

No meio da confusão, para se entender o que se passa, o jovem, lucidamente, diz “Eu estudei até o terceiro ano, não sei o que é L.A.”