Por Rafael Saraiva
O que é o Mal? Sim, com letra maiúscula mesmo. Não apenas “mau”, mas algo (ou alguém) maior, que represente tudo que há de ruim no mundo (e é possível?). Se já é difícil definir em palavras, imaginem em um filme. E olha que o cinema já tentou inúmeras vezes, apresentando um longo rol de personagens repulsivos, cruéis, frios e impiedosos. E dentre todas, a película que mais se aproximou desse objetivo foi Halloween – A Noite do Terror. Mas afinal, o que diferencia Michael Myers de todos os outros?
É da natureza humana procurar explicações para tudo que nos cerca, dos pequenos acontecimentos cotidianos aos grandes mistérios da ciência. E especialmente para aquilo que foge do padrão, da zona de conforto que estabelecemos para nós mesmos, essa curiosidade é ainda maior. Então como explicar a existência de alguém como Michael Myers e seu desejo implacável de matar? Em certo ponto do filme, o doutor Sam Loomis, que tratou o assassino durante mais de uma década, é questionado pelo xerife da pequena cidade de Haddonfield sobre suas impressões acerca do caso após tantos anos. Segue sua resposta, em tradução livre:
“Eu o conheci quinze anos atrás. Me disseram que não havia sobrado nada. Nenhuma motivação, nenhuma consciência, nem mesmo um entendimento rudimentar sobre o sentido da vida e morte, bem e mal, certo e errado. Eu conheci essa criança de seis anos de idade com rosto pálido, inexpressivo e com olhos negros, os olhos do demônio. Eu tentei por oito anos entendê-lo e então outros sete tentando mantê-lo preso porque cheguei à conclusão que o que estava vivendo por trás dos olhos daquele garoto era pura e simplesmente…o mal.”
E toda a sequência inicial de Halloween – A Noite do Terror, filmada com câmera subjetiva, ilustra bem essas palavras: aquele jovem garoto que acabara de assassinar sua irmã a sangue-frio era uma mera casca, um avatar vazio para algo que se escondia em seu interior e enxergava o mundo através de seus olhos. É essa essência que Sam Loomis tentou entender durante boa parte de sua carreira e nunca conseguiu. E ao admitir o próprio fracasso, ele enfim percebe que está lidando com algo acima das categorizações psicológicas que aprendeu, ou mesmo da racionalidade humana. Assim, é curioso que hoje, Halloween – A Noite do Terror, seja bastante lembrado pela personagem da Jamie Lee Curtis, quando o grande antagonismo do filme acontece entre Myers e Loomis. O doutor assume para si a responsabilidade pelo assassino ao perceber que falhou com ele, e a partir daí, o filme se estrutura de modo a colocar esses dois homens em rota inevitável de colisão. Enquanto isso, o Mal, ao retornar para casa, se apresenta avassalador sobre Haddonfield, incidindo sem distinção sobre todos os outros personagens: Laurie, Annie, Lynda, as crianças e quem quer que atravesse seu caminho.
Econômico como poucos, o diretor John Carpenter fez um filme sem gorduras e enxuto em diversos aspectos: exatos noventa minutos de duração, um número reduzido de personagens, nenhuma pirotecnia e até mesmo sem quase nenhuma gota de sangue (irônico que os inúmeros filhotes que gerou ao longo dos anos acabaram por caracterizar o subgênero slasher como sendo sangrento). Todos os esforços do realizador parecem direcionados a tornar Michael Myers um personagem único, não apenas em sua caracterização alegórica, mas também pelos elementos que o cercam. O tema musical, composto pelo próprio Carpenter, se tornou uma das músicas mais marcantes do terror. E seu figurino, com macacão e máscara com traços humanos bem rudimentares, ressalta a tabula rasa que ele é.
Ainda que com problemas de execução (toda a sequência da fuga do manicômio é confusa e mal explicada, por exemplo), Halloween – A Noite do Terror garantiu seu lugar na história do cinema ao apresentar um personagem icônico e que até hoje gera muita discussão e interpretações diferentes, inclusive do próprio criador (vide a reviravolta incluída na sequẽncia, sobre o assassino e Laurie serem irmãos. Mas esse é assunto para outro texto). John Carpenter não fez de Michael Myers um mau. Ele fez de Michael Myers o Mal. E nada mais oportuna que a data de 31 de outubro para relembrar seu legado.