
Contágio
Por João Paulo Barreto
Contágio não é, ao contrário do que muitos podem pensar, um filme que trata somente da paranóia do século XXI em torno das novas pragas que surgem e desafiam os cientistas a criarem vacinas em busca de curas eficazes. Sim, o filme aborda o pânico que é ver uma pandemia se alastrar sem controle enquanto burocratas discutem o assunto com calma sem notar a urgência do caso. Mas, além de disso, o filme de Steven Soderbergh ilustra de modo pertinente a perda inesperada de entes queridos e o modo como a racionalidade precisa ser posta em um patamar mais importante que o emocional.
Logo nos primeiros segundos da projeção, vê-se Beth Emhoff (Gwyneth Paltrow), uma executiva em viagem de negócios pela Ásia que, claramente, não está bem de saúde. Sua aparência é péssima. Seu rosto pálido e sua tosse seca refletem a possibilidade de que há algo em seu estado que é mais sério que uma simples ressaca. Quando se percebe a gravidade da situação de Beth, ela já está sofrendo convulsões e vomitando nos braços de seu marido, Mitch Emhoff (Matt Damon), que a recebeu após a sua volta aos Estados Unidos trazendo consigo bem mais do que jet lag.
A partir daí, o filme mostra a evolução de um novo vírus totalmente desconhecido pelos cientistas que ainda não sabem como lidar com a evolução surpreendente desse novo mal. O eficiente roteiro de Scott Z. Burns (que já havia trabalhado com Soderbergh em O Desinformante!, e com Damon neste e em O Ultimato Bourne), apresenta diversos personagens em linhas narrativas que não se cruzam (semelhante a Traffic, também do diretor), apesar de ter o mesmo fio condutor: a luta pela cura.
Neste leque, vê-se a Dra. Erin Mears (Kate Winslet) uma médica que trabalha em campo na tentativa de rastrear a origem da peste. Seu superior imediato é Ellis Cheever (Laurence Fishburne), um experiente epidemiologista que se torna o responsável pela força tarefa de cientistas que estudam o vírus. Além dele, há a Dra. Ally Hextall (Jennifer Ehle), cujo personagem segue a cartilha de mártir que esse tipo de roteiro exige. Nada que o prejudique, mas não é com surpresa que vemos a atitude resolutiva da médica.
Fora do âmbito da saúde está o mais interessante de todos personagens do longa: o do jornalista e blogueiro, Alan Krumwiede (Jude Law), cujo site divulgou as primeiras imagens de uma das vítimas morrendo em um transporte público asiático. Contestador e persistente nos seus argumentos, Alan busca provar que a epidemia é mais grave que os cientistas aparentam demonstrar, algo que se tornará óbvio à medida que os corpos começarem a se acumular em valas coletivas. Sempre rechaçado pelas possíveis fontes, Alan tem na credibilidade de sua página on line (que é acessada por milhares de pessoas) os meios de divulgar o que os médicos escondem. “Você não é jornalista, você é blogueiro. O que você faz é grafite com pontuação”, observa o Dr. Ian Sussman (personagem vivido por Elliott Gould, cujo nome é de uma ironia notável), ao ser questionado pelo repórter sobre a evolução da pesquisa. Uma forma interessante de se retratar o modo como o poder da internet ainda é subestimado.
Com uma narrativa didática e bem amarrada, uma montagem eficiente e ágil, Contágio se mostra atual, uma vez que, em pleno século XXI, vimos surgir a H1N1, vírus com poder quase tão expressivo quanto o visto no filme. Diferente de longas com temas semelhantes, como Epidemia (1995), no qual o medo do vírus ebola baseado na polêmica causou mais desinformação do que reflexão no espectador, Soderbergh soube apresentar um tema que assusta justamente pela possibilidade concreta dela acontecer, afinal, esclarecimentos sobre contágios através de toques e a recomendação de lavar as mãos frequentemente já não é novidade para nós.
Contágio é um tipo de obra que surpreende não somente pela relevante discussão acerca da fragilidade da humanidade em sua busca desenfreada por lucro esquecendo-se do quão efêmera ela pode ser. O filme é, também, uma reflexão sobre a perda. Sobre como encaramos a morte. Observe o modo como um dos personagens, já moribundo, cede seu cobertor para alguém que, mesmo tão doente quanto ele, ainda lhe é visto como um paciente. Mesmo em situação tão grave quanto aquele que ele jurou cuidar, não perdeu esse senso de cuidado nem no leito de morte.
Acima disso, a obra é sobre como a morte de quem amamos nos afeta. O personagem de Matt Damon demonstra isso de modo chocante, quando, ao ouvir a notícia da morte de sua esposa, pergunta ao médico quando poderá falar com ela. É uma cena que transmite de forma elegante e impactante como a perda repentina de um familiar pode mexer com o equilíbrio de uma pessoa.
Uma pena que a resolução para a trama se esforce de modo não muito convincente para tornar a causa da epidemia aceitável. Nesse ponto, o didatismo citado anteriormente soa forçado, tornando um tanto inverossímil o desfecho.