Por João Paulo Barreto

Jovem clássico, o filme do italiano Giussepe Tornatore é uma tenra homenagem à Sétima Arte. Conta com a trilha sonora do mestre Ennio Morricone, autor das principais partituras do cinema italiano, como as dos filmes de Sérgio Leone, os famosos spaghetti westers. Narra a história de Totó, um garoto apaixonado pelo cinematógrafo de sua cidade, e de Alfredo, um velho bonachão que durante toda a vida trabalhou projetando os filmes para a população local no Cinema Paradiso do título, um lugar onde as pessoas se reuniam não apenas para assistir às películas como para interagir socialmente. Da relação entre o idoso e a criança, surge uma cumplicidade impar. Uma relação na qual um aprende com o outro.

Após anos de clássicos exibidos na tela do velho cinema, um acidente leva um rico morador do local a investir na reforma e adaptação àquilo que Alfredo chama de modernidade. A sala ganha um novo projetor, nova ambientação e um novo funcionário: o próprio Totó, ou, como agora prefere ser chamado, Salvatore. A relação entre os amigos se estreita e as dúvidas e anseios da adolescência e vida adulta começam a torturar o jovem. Amores mal resolvidos, a descoberta do sexo, a vida militar, tudo na relação de Totó com o mundo gira em torno do cinema.

A história, vencedora do Oscar da Melhor Filme Estrangeiro, cativa através de uma simplicidade única. Tornatore a narra sem pressa, mantendo a delicadeza dos seus quadros em uma rima constante com a trama. Algumas cenas, em especial, merecem destaque. Por exemplo, os suaves zoom in e zoom out que, se não usados com parcimônia, tendem a banalizar o efeito almejado. Não é o caso aqui. A abertura da obra, na qual se vê um jarro em frente a uma paisagem magnífica, com o mar da Sicília ao fundo, é um exemplo dessa sutileza nos movimentos. A câmera penetra no ambiente atrás dela, revelando, através de uma esvoaçante cortina, que estamos sendo conduzidos a conhecer a casa de alguém. A suavidade desse movimento demonstra justamente o esmero do trabalho de Tornatore.

Em outra passagem, uma importante conversa se trava entre Alfredo e o jovem Salvatore. O senhor conta uma história sobre a paixão de um soldado por uma princesa. Ao final do filme, lembramos dessa cena e notamos a importância que aquela história teve na vida do jovem. Suas decisões no que se refere à vida romântica tiveram, ali, seu marco zero. O enquadramento é de uma sutileza palpável. Sentados no alpendre de uma porta, os dois amigos conversam e Totó ouve atentamente a história daquele príncipe e sua decisão de esperar cem dias pelo seu amor. Em um movimento delicado, somos convidados a nos aproximar daquele momento de intimidade. Ao percebermos as decisões futuras de Salvatore, notamos como foi importante aquela conversa.

Os habitantes do vilarejo e a relação destes com o lugar é demonstrada, também, pela lente atenta do diretor. Observe a inserções das panorâmicas que mostram a praça principal. Logo no começo do filme, a cidade nos é apresentada a partir do ponto mais alto, o sino da igreja. Todos os habitantes andam pela praça, em seus afazeres e pressas. O movimento da câmera em panorâmica nos leva a conhecer a dimensão daquela pequena vila. Tornatore utiliza o enquadramento do lugar para demonstrar a cumplicidade daquelas pessoas com o restrito mundo onde elas vivem. A praça cheia, como seus habitantes a passear por ela, demonstra o estado de espírito dos seus habitantes. O mesmo enquadramento, com um Totó solitário e desiludido ao voltar para casa após uma longa ausência, reflete seu estado de espírito e o efeito que a passagem do tempo causa no lugarejo. Os sentimentos vividos pelos habitantes refletem claramente no ambiente que eles compartilham.

E por falar em passagem no tempo, as elipses são outro ponto de destaque da obra. A simplicidade com que se demonstra o passar dos anos mostra a inteligência de um cineasta como Tornatore. Não é necessário inserir legendas indicando uma nova década. Pelo contrário. Ele utiliza um movimento único para todos os personagens quando quer indicar um período de tempo passado. A mão no rosto, seja ela no intuito de reconhecimento de uma face, ou para indicar um momento de reflexão, é sempre atrelada a uma mensagem de perfeita compreensão para o espectador.

E as já citadas sutilezas dos enquadramentos chamam a atenção em outros momentos. As despedidas, por exemplo, não carecem de maiores dramas ou apelos emotivos gratuitos para causar emoção ao espectador. Observe os planos detalhes quando certos personagens se despedem na estação de trem. São enquadramentos fechados, que, através do contato físico que aqueles entes queridos demonstram já nos faz perceber o quão doloroso está sendo aquele momento.

Com ecos do francês Os Incompreendidos, de Truffaut e sua fixação com o universo infantil, Cinema Paradiso é um resgate de um cinema italiano que primava pela excelência de seus representantes. Uma mescla perfeita do neo- realismo de De Sica, da reflexão de Antonioni e da comédia dramática de Fellini, mestres de uma arte que foi brilhantemente homenageada por Tornatore nesse jovem clássico.