Capitães da Areia

Por Cláudio Marques

Liderados por Pedro Bala, os capitães de areia se impõem na cidade de Salvador, na década de 30. São “safos”, não precisam de muito para viver.

O que há de melhor nessa história, transposta do romance dos anos 30 de Jorge Amado, é o desejo pela liberdade e potência invejáveis de uma juventude que vive sem que ninguém exerça autoridade disciplinadora e uma rotina de afazeres.

Aqui, não há a violência descontrolada da rua dos dias de hoje, visto, por exemplo, em Número Zero, curta-metragem de Cláudia Nunes exibido recentemente no VII Panorama. Nesse documentário, os meninos de rua estão o tempo todo com a faca na garganta. A agressividade é tamanha que passa a ser difícil imaginar um bando organizado simplesmente desfrutando o mar em belas tardes de sol.

No longa, não há, em princípio, o desejo pela critica social. Busca-se o romance e o entretenimento despretensioso. Os capitães de areia estão domesticados, não representam perigo sério. Realizam furtos, praticam golpes, mas possuem certa organização própria e não agridem o espectador, muito pelo contrário.

Cecília Amado filma de forma generosa os meninos escolhidos para dar vida à Pedro Bala, Professor, Gato e demais capitães. Eles são carismáticos, garantem o interesse pela história, mesmo que, no geral, as atuações sejam marcadas como num jogral. Faltam fluidez e desenvoltura na maior parte dos diálogos, deixando evidente o contraste entre a ânsia libertária que move a história e o engessamento da estrutura do cinema comercial que se busca fazer no Brasil.

O filme ganha bastante com a chegada de Dora, garota sem lar que provoca paixão em Pedro Bala. Cecília Amado trabalha de forma interessante a sensualidade sempre exacerbada em Jorge Amado. O desejo não está na câmera, no jeito e ângulo de abordar os personagens. Está no olhar e gestos dos jovens. Surge de forma discreta, mas inequívoca.

A fotografia me parece, também, bastante respeitosa com o tempo dessa Salvador antiga, com uma luz suave e equilibrada.

E será na velha fábrica localizada em Itapagipe, quartel general dos capitães, que os planos vão falar por si, abandonando por alguns instantes o caráter folhetinesco que parece inerente às tramas de Jorge Amado.

Um belo e amplo espaço abandonado, rejeitado pela sociedade, onde os meninos se protegem num silêncio que faz bem ao cinema. Com o auxílio de uma direção de arte sempre discreta e equilibrada passa a ser possível acreditar nessa história que atravessa as décadas.

Capitães da Areia ganharia força maior se alguns pontos da trama fossem melhor trabalhados, como a chegada de Dora e mesmo a rivalidade entre os bandos. Dora e Pedro Bala são lindos personagens e ganham vida através de meninos encantadores. Eles mereciam um desenvolvimento mais cuidadoso.

O roteiro possui alguns buracos, mas inexplicáveis, algo que demanda uma cumplicidade que beira a condescendência do espectador, em alguns momentos.

Entre altos e baixos, prós e contras, trata-se de um filme que atrai a simpatia de quem o vê quase de imediato. Ao menos funcionou assim comigo. Capitães é fácil de se ver na telona, mas eu não sei por quanto tempo irá perdurar na minha memória.