Por Rafael Saraiva
Mesmo após o término do filme, Billi, personagem que dá título à obra, continua uma grande incógnita: grande amuleto de Marivalda (Grazi Massafera) desde sua infância, o porco de brinquedo a acompanha para onde quer que a aspirante a atriz vá – inclusive para dentro de seus sonhos, onde ele implora para não ser sacrificado. A situação evolui ao ponto do porquinho começar a responder as confidências feitas pela mulher, agindo como uma espécie de voz da sua consciência que, entre outras coisas, lhe pede para largar Wanderley (Selton Mello), seu marido sem nenhuma perspectiva de vida. E a partir de certo momento, Billi passa a efetivamente interferir na história, inclusive aparecendo em lugares onde não deveria estar como se tivesse vida. Por tudo isso, era de se esperar que este fosse um personagem crucial na trama, mas o que acontece é ele ser progressivamente esquecido pelo roteiro, não tendo serventia alguma no final. E a triste verdade é que o mesmo desleixo sofrido pelo personagem-título se abate também sobre todo o restante do longa, um dos piores nacionais dessa última safra (e olha que a concorrência é forte).
Afinal, nem parece que o roteirista/diretor de Billi Pig é o mesmo responsável pelo ótimo Se Nada Mais Der Certo. Com uma abordagem (e qualidade) completamente oposta a da sua obra de 2008, José Eduardo Belmonte tenta aqui fazer um humor brasileiro à moda antiga, menos ácido e irônico, com espaço até para números de música e dança. Mas fica apenas na tentativa, visto que o filme não tem graça alguma (ao menos para o espectador, já que os erros de gravação durante os créditos finais mostram os atores se divertindo bastante). E nem dá para culpar o trio principal – Selton Mello, Grazi Massafera e Milton Gonçalves visivelmente tentam extrair algum humor de seus personagens, enchendo-os de trejeitos e peculiaridades, mas são sabotados por um roteiro muito ruim. Além da já comentada indecisão sobre a relevância do porco Billi, há uma série de personagens coadjuvantes soltos na trama. A existência do “casal” interpretado por Preta Gil e Milhem Cortaz é inexplicável, uma vez que eles não tem serventia alguma, inclusive desperdiçando o mais óbvio desdobramento que poderia acontecer (isto é, o personagem do Milhem tentar matar a filha do traficante só por causa do dinheiro do funeral). Mas não para por aí: o roteiro não se decide se Marivalda deseja ser uma grande atriz (vide a cena do seu teste de elenco) ou simplesmente uma mulher rica e famosa (como demonstra durante toda sua estadia no hotel), desperdiçando o já frágil drama da personagem. E no meio de tantas situações que beiram o nonsense, o mistério e a posterior sequência de flashbacks da infância do padre Roberval (Milton Gonçalves) não adicionam em nada, soando deslocada do conjunto.
Mas se ao menos a direção do José Eduardo Belmonte tivesse o mínimo de coerência, algo poderia ter se salvado, mas não foi o caso. Billi Pig é um filme desconjuntado, que muitas vezes não consegue encadear uma sequência lógica de cenas. Como no momento, durante o clímax, onde o casal Wanderley e Marivalda foge da casa do traficante – durante o dia – para na cena seguinte aparecerem dentro de uma feira aleatória à noite. Ou na cena (que deveria ter ficado no chão da sala de edição) onde um funcionário do hotel profere um daqueles discursos motivacionais manjados para a Marivalda que, na cena seguinte, já aparece em outra locação e interagindo com outros personagens, sem nenhuma ligação com o que havia acontecido imediatamente antes. Belmonte falha até quando precisa construir um mínimo de suspense: afinal, qual a finalidade de colocar dois personagens temendo pelos seus destinos em frente a um fundo preto (como se algo fosse ser revelado a partir dali), quando em seguida eles já aparecem tranquilos subindo uma escada? Mas o fundo do poço acaba sendo um dos product placement mais absurdos dos últimos tempos (no nível daquele existente em Noite de Ano Novo), com Grazi Massafera exibindo o cartão de crédito de uma certa operadora do modo gratuito possível por longos segundos.
Ainda finalizando com um momento digno de cena de encerramento da novela das 8 (elenco reunido e dançando ao som de uma apresentação do Arlindo Cruz), Billi Pig é um erro de grandes proporções. Que José Eduardo Belmonte reencontre seu talento no caminho de volta ao seu antigo estilo, pois essa sua incursão pela comédia foi uma catástrofe.