Bahia cinema e memoria.

Por Laura Bezerra

Em 1910, Diomedes Gramacho e José Dias da Costa realizam “Regatas na Bahia”, marco inicial do cinema feito no estado. Até 1914 eles filmarão diversos eventos locais, além de produzir uma série de cinejornais. Os tempos eram outros, muito diferentes: as “atualidades” da dupla, por exemplo, tinham já um cliente certo, eram exibidas no Theatro São João em Salvador – um sonho para a maioria dos cineastas brasileiros do século XXI.

Como eram estes filmes de outros tempos? O que eles nos diriam sobre a aventura do cinema nos seus primórdios? O que eles nos contariam sobre a cidade, sobre as pessoas? Você não gostaria de conhecer os filmes de propaganda de obras governamentais do início do século (Sim! Eles existiram)? E como seria o “Carnaval cantado na Bahia, 1920”, uma “fita” de J.G. Lima e José Nelli, que mescla ficção e documentário (os diretores introduziram uma estória cômica – a de uma família do interior que vem assistir o Carnaval de Salvador e passa por grandes apertos – às filmagens do carnaval). De que linguagem os realizadores se utilizaram? Que imagem da Bahia e da baianidade eles construíram? Como se apresentaram os governantes diante de seus eleitores? Não sabemos, nem saberemos, uma vez que todos estes filmes não existem mais!

Em 1980 a Unesco torna pública sua preocupação com a salvaguarda das imagens em movimento, consideradas “expressão da personalidade cultural dos povos […e] parte do patrimônio da humanidade”. É o reconhecimento da importância do trabalho das cinematecas. Mais ou menos nesta época, o Governo do Estado e, posteriormente, a Prefeitura de Salvador começaram a formar acervos audiovisuais, fatos que pareciam auspiciosos. Entretanto, a promessa não se concretizou; os acervos existentes, além de reduzidos, estão atualmente em condições de extrema precariedade e nunca sequer delineou-se uma política de preservação.

Por muito pouco não perdemos “Redenção” (1959), que além de ser o primeiro longa-metragem realizado na Bahia, foi filmado com uma lente especialmente criada para ele, a Iglu-Scope; seu restauro é fruto da luta solitária e incansável da família do diretor Roberto Pires. Mesmo a nossa história mais recente vem-se perdendo a olhos vistos. Onde está a instigante produção baiana de Super-Oito? Entre 1970-1983 foram realizados mais de duzentos filmes nessa bitola e em nenhuma outra época do cinema baiano se experimentou tanto. Vamos perdê-los também? E a produção mais recente, feita com tecnologias digitais? Há uma política para ela?

A memória é o elemento que vincula passado e presente; o patrimônio cultural é referência fundamental para construções identitárias. Se queremos construir uma Bahia plural, então não podemos aceitar que nosso patrimônio audiovisual continue desaparecendo diante dos nossos olhos. O cinema baiano está fazendo cem anos! Vamos festejar e, com toda força, conclamar os poderes públicos a, juntamente com a sociedade civil, definir e implementar uma política que garanta a preservação da memória audiovisual do nosso estado. Nós queremos, nós podemos, nós merecemos. O tempo urge. A hora é esta!

*Laura Bezerra é professora substituta do Instituto de Humanidades Artes e Ciências Prof Milton Santos/UFBA, doutoranda do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade /UFBA e coordenadora do projeto Filmografia Baiana.