
Bahea Minha Vida
Por João Paulo Barreto
Documentário que celebra os oitenta anos do Esporte Clube Bahia, o filme de Márcio Cavalcante acerta ao apresentar a história do time pela óptica daqueles que são as melhores fontes: os torcedores. Claro, os depoimentos, esperadamente, são repletos de paixão e não devem ser julgados por um olhar cínico ou debochado. Afinal, são pessoas que escolheram devotar sua atenção, amor, admiração e, por que não, vida ao seu time de futebol preferido. E, nesse intuito, o Bahêa Minha Vida, que estreou na última sexta feira, consegue transmitir uma genuína emoção aos espectadores, torcedores do tricolor ou não.
Contando com uma inspirada trilha sonora composta por Bob Bastos, com a participação da inconfundível guitarra baiana de Armandinho Macedo, o filme tem seu inicio ilustrado por um prólogo eficaz que busca explicar a paixão do brasileiro pelo futebol. Depoimentos de personalidades do mundo do esporte como os jornalistas Juca Kfouri e Marcelo Barreto, narradores e comentaristas de futebol como Silvio Mendes, Arnaldo Cesar Coelho, Eliseu Godoy, além de historiadores, ex-jogadores e técnicos do time, trazem uma reflexão sobre a motivação do esporte. As imagens dos populares babas nos bairros de Salvador são muito bem construídas e mesclam-se de forma natural aos discursos dos entrevistados.
Com esse início, Bahêa Minha Vida apresenta de modo satisfatório a paixão pelo futebol no Brasil partindo, em seguida, para o verdadeiro foco da narrativa: o tricolor baiano. O levantamento documental de imagens da fundação do clube em 1931, com manchetes de jornais da época, entrevista com pesquisadores e, o maior destaque, o depoimento, aos 100 anos, de Rubem Bahia, ponta esquerda do primeiro time do Esquadrão de Aço, torna o filme não apenas uma ode ao Bahia, mas um documento pertinente para qualquer interessado em conhecer a história do futebol no Estado.
E não só Rubem Bahia compõe o encontro da velha guarda. Em uma cena ao mesmo tempo emocionante e hilária, vemos uma reunião com quatro campeões da Taça Brasil de 1959, no famoso restaurante Porto Moreira, no centro de Salvador, local onde passaram várias personalidades da capital, como Jorge Amado, Batatinha e Glauber Rocha. Na mesa estão presentes outros símbolos do imaginário soteropolitano. Em um papo animado estão Nadinho, Vicente, Marito e Léo Briglia. Os quatro relembram a histórica final de três jogos contra o Santos de Pelé, com um entusiasmo e nostalgia cativantes. O momento em que, após a conversa já ter começado, Vicente se surpreende ao perceber que está diante de Marito, seu amigo de clube que não via há décadas, é de uma graça notável. A opção do diretor Márcio Cavalcante em reuni-los sem informar a eles quem estaria presente causou uma naturalidade única à ocasião.
A partir daí, o filme se concentra em contar a trajetória do time no decorrer dos anos, passando pelo hepta campeonato baiano na década de setenta; o bi-campeonato brasileiro em 1988, com uma curiosa história das mandigas colocadas no vestiário usado pelo time baiano no segundo jogo, lá no Beira Rio, e a necessidade do torcedor símbolo do Bahia, Lorinho, em “amarrar” as mãos de Taffarel, goleiro do Internacional, em uma cena cheia de simbolismo. Uma bela homenagem ao torcedor que pôde ter um sonho realizado ao se encontrar com Bobô, ídolo do time campeão.
Claro que o documentário não poderia se prender somente às glórias. A fase de rebaixamento do time para a segunda e terceira divisão, no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, é abordada de modo a ilustrar que o clube não se fez somente de vitórias (sem trocadilhos). Um torcedor define bem a situação da época ao falar que “na série B, a criança chora e mãe não vê. Na serie C, a mãe não tá nem aí”. O ritmo das imagens, contrastando com depoimentos de torcedores, dá agilidade ao longa. No entanto, várias dessas falas parecem não ter o efeito esperado no público, uma vez que o que parece ter uma carga dramática, leva ao riso de quem está no cinema. É o caso do torcedor que diz que o Bahia ganhando, ele pode ficar uma semana com fome, mas vai ficar com amor. Já quando a intenção é causar graça, o filme consegue seu intento, como quando um dos entrevistados diz que não há mulher que substitua seu amor pelo time. E o fato dele falar isso em frente a uma cama repleta de pôsteres do Bahia, é de uma ironia sagaz.
Pecando somente ao exagerar nas inserções de trechos do hino tricolor cantado por artistas da música baiana (o trecho com Tomate chegou a ser exibido duas vezes) e ao forçar um pouco a barra na pretensão intelectual de colocar um violino junto a um timbal em pleno estádio de Pituaçu (cafona ao extremo), o filme cumpre com a ideia de ilustrar a história do Esporte Clube Bahia de modo a tornar cinematográfica duas paixões que cativam milhares de pessoas no Brasil: o futebol e o Bahêa.