Por Washington dos Santos Oliveira
O filme Avenida Brasilia Formosa é uma obra que se destaca pelo seu jogo equilibrado entre as multiplicidades dos enredos vivenciados pelos seus personagens e o modo como as particularidades de suas vidas se confluem nos cenários e elementos plásticos do conjunto da obra. Trata-se de um filme que mapeia os fluxos e redes do espaço urbano por meio de seus personagens e, num movimento inverso, descreve os personagens através dos espaços vivenciados na mobilidade de suas gentes.
Com uma bem dosada miscelânea entre linguagem ficcional e documental, o filme se concentra a narrar a vida de três personagens no contexto da comunidade Avenida Brasília Formosa e seus fluxos pela cidade de Recife. Trata-se da história de gente simples, trabalhadores autônomos que vão revelando os seus cotidianos reais ou imaginados a cada sequência.
Pirambu é um simpático pescador que morava nas palafitas de Brasília Teimosa e que foi deslocado para os conjuntos habitacionais da Avenida Brasília Formosa. Em sua nova realidade, ele tece sua vida com o mesmo cuidado com que tece sua rede de pesca e com a mesma diligencia com que costura o seu caminho de casa para o mar e do mar para casa. Aliás, as imagens de suas idas e vindas não são só belas, mas, sobretudo funcionais, uma vez que nos remete para uma tônica da temática do filme: os fluxos e deslocamentos na cidade.
Débora é uma manicure que persegue com determinação o seu sonho: participar do programa Big Brother Brasil. Ela entra em contato com Fábio a fim de gravar um vídeo para enviar para a produção do Reality Show. Em seu sonho e esforços para realizar esse intento, ela representa o desejo de ver rompido o cotidiano pela superação do anonimato através das câmeras e das redes televisivas.
Fábio é um personagem multifacetado. Vivencia tantos espaços-tempos no filme quanto são suas ocupações, as quais variam de garçom, dançarino em igreja evangélica a videomaker. Na medida em que seu veio de videomaker se revela, vai ficando a impressão de ser ele quem tece a história que assistimos, numa espécie de avatar ficcional do tecelão real do filme, o diretor e roteirista Gabriel Mascaro. Com sua câmera e fitas, Fábio guarda as imagens da cidade e a história de sua gente. Ele tem sua importância na narrativa justamente por ser um mediador entre diferentes mundos e linguagens. As imagens artificializadas, ou seja, aquelas em que a personagem Débora é fotografada nas praias para o Big Brother; e as imagens documentais do registro da visita às palafitas de Brasília Teimosa do então candidato a presidente Lula, contribuem para intensificar a tensão entre o real e o imaginado dentro e fora do filme, além de trazer para dentro do cinema a sua contra face: o vídeo e as possibilidades da TV.
Em termos plásticos, o filme apresenta uma composição de elementos bem pensada em função da expressividade de seu enredo. E os elementos urbanos enquanto cenário e o espaço de mobilidade dos personagens, refletem um no outro através da fotografia não muito “bem lavrada”. A textura das imagens não é nada asséptica e chega a ser até meio tosca como o é em geral os ambientes urbanos.
Avenida Brasília Formosa é certamente mais um bom filme da fértil safra de Pernambuco, que consegue apresentar aquilo que esperamos de uma boa obra feita com parcos recursos: ousadia temático-formal e uso cuidadoso dos recursos de expressão dos elementos do filme.