Por Rafael Carvalho

Parece que demorou até demais para que Steven Spielberg dirigisse um filme de animação. Há tempos que esse tipo de produto deixou de ser reservado somente ao público infantil, angariando a admiração dos mais crescidos, mesmo quando o filme não possui conteúdo especificamente mais sério. E não há nada mais Spilbergiano do que um filme família. Assim, As Aventuras de Tintim parece um prato cheio para essa nova investida.

Há ainda o apoio incondicional de Peter Jackson nesse projeto como produtor, uma espécie de selo de garantia da cota de originalidade. E a parceria rendeu um belo exemplo de aventura de bom gosto para todas as idades, embora por vezes, force um pouco os desdobramentos do roteiro.

O personagem Tintim, saído dos quadrinhos infanto-juvenis do cartunista belga Hergé, tem seu universo mítico muito bem explorado no filme, sua perspicácia e destemor ao embarcar em intrigantes e desafiadores mistérios e aventuras ganham enorme fôlego nessa que seria sua apresentação no cinema. Em meio à trama que envolve o mistério das réplicas de um famoso navio naufragado e o segredo de um tesouro escondido cobiçado por gente de más intenções, é aqui que o jovem jornalista irá conhecer o capitão Haddock, além de apresentar ao público personagens clássicos de suas histórias, como o companheiro inseparável Milu, um esperto fox terrier, e os atrapalhados investigadores Dupond e Dupont.

Spielberg investe numa encenação ágil, vigorosa, como se a “câmera” se movimentasse bastante durante as cenas e assumisse alguns enquadramentos pouco usuais, muito embora isso pareça ter duas desculpas: se de imediato possa remeter à própria agilidade da narrativa, à necessidade de sempre manter um ritmo (o que acaba conseguindo), transparece também uma tentativa de mostrar certa maleabilidade com o recurso da animação, fazendo “estripulias” estéticas que muito dificilmente conseguiria realizar num filme de live action, mas que soam como exibicionismo. De qualquer forma, vale a pena pelas ótimas transições de sequências, sempre muito inventivas e fluidas, criando conexão entre as partes e a sensação de vigor constante. Tintim não perde tempo.

A narrativa (na verdade um agregado de três histórias distintas do Tintim) ganha as telonas através do processo de motion capture (primeiro filma-se os atores em estúdios e depois terão seus movimentos digitalizados) aliada à tecnologia 3D, que já anda capengando enquanto “promessa” para um mercado exibidor cada vez mais sufocado. São poucos os exemplares de filmes que souberam aproveitar a tridimensionalidade para agregar força a seus trabalhos, caso do qual não faz parte essa nova investida de Spielberg. O recurso se mostra interessante em alguns poucos momentos, mas na maior parte das vezes não faz a menor diferença.

Por outro lado, o trabalho de captura de movimento revela uma riqueza imensa de expressões e energia com que os personagens agem e interagem uns com os outros e com o ambiente ao redor (dá pra sentir a mão de Peter Jackson aqui). Assim, fica mais fácil notar as expressões de Jamie Bell, na pele do protagonista, e do mais uma vez sensacional Andy Serkis, como o capitão Haddock. Existe vivacidade na construção desses personagens que por vezes os fazem parecer pessoas reais. Além disso, há todo um cuidado com detalhes de cena e a reconstituição de lugares, como quando é possível perceber um leve reflexo num vidro de uma janela, ou a riqueza de elementos que compõem a cena da perseguição pelos pergaminhos. Como é de se esperar, os quesitos técnicos são de primeira.

De qualquer forma, estamos falando do Spilberg que sabe como ninguém contar bem uma boa história, nos moldes clássicos do cinema norte-americano, aliado a seu conservadorismo e moralismo. Não há grandes riscos em seus filmes. Aqui, o principal apelo é a aventura incessante que faz o filme parecer mais curto do que é pela fluidez e agilidade com que a história nos prende. Possui uns tropeços aqui e ali de desenvolvimento de roteiro, fazendo com que o espectador tenha que relevar certas situações (afinal, trata-se de uma história quase infantil, não se leva tão a sério), mas no final fica a sensação de recompensa aventuresca que se esperava, fazendo jus ao universo fabuloso e empolgante das aventuras de Tintim.