Arvore da Vida

Por Rafael Carvalho

É certo que A Árvore da Vida se constitui como obra das mais abertas e passíveis de novas descobertas a cada revisão. Terrece Malick faz aqui seu filme mais ambicioso e mesmo que dialogue com seus outros trabalhos no sentido de aproximar o homem da natureza, essa relação é aqui intensificada pelo peso que a própria Criação (divina e/ou biológica) possui sobre a vida das pessoas. Não é um filme fácil.

O filme começa, na década de 50, com o casal O’Brien (Brad Pitt e Jessica Chastain) recebendo a notícia da morte de seu filho mais novo, então com 19 anos. A narrativa vai retornar no tempo, perpassar toda a formação da Terra, e se deter na criação dos três filhos do referido casal, em que a educação rígida do pai encontra contraponto no carinho que a mãe esbanja com os garotos. Além disso, o filme mostra como um dos filhos, Jack (Hunter McCracken, em criança) se tornou um adulto claramente amargurado (vivido dessa vez por Sean Penn).

Esse retorno ao início dos tempos, com a apresentação de todas as imagens de criação que tomarão grande espaço no longa, em que muita gente só enxerga pretensão do cineasta (como se ele quisesse brincar de Deus), parecem bastante pertinentes ao se pensar nos próprios questionamentos que o filme coloca: de onde viemos? O que nos forma como seres humanos? Por que somos tão frágeis diante da grandiosidade do universo?

Se a mãe questiona um suposto poder divino, como se apontasse o dedo para cima e dissesse: “Onde estavas quando isso aconteceu? Permitiu que meu filho morresse?” (não exatamente com essas palavras), a resposta parece estar lá no Livro de Jó, que abre o filme com outra questão: “Onde estavas tu quando lancei os fundamentos da Terra [..], e os filhos de Deus se alegravam?”.

 

Pois uma das grandes questões que o filme parece suscitar é a de vida como dádiva, porque a função criadora (de Deus ou não) já foi cumprida. Daí, a importância das imagens da criação e formação do seres. Depois disso, resta que aqueles ao nosso redor, como qualquer outra circunstância, interfiram na nossa existência. E aí entra o fator educação. Nesse sentido, Jack vive um grande dilema do filme, pois é ele quem está cercado por uma dualidade representada por seus pais.

Mas esse pai, facilmente desenhado como perverso, ganha camadas muito mais complexas do que um simples maniqueísmo a ele imposto. Ele não deixa de ser carinhoso, mas a seu modo, sempre fechado. Da mesma forma, a mãe e seu excesso de carinho causará certa incompreensão de Jack porque ele a vê como passiva demais em aceitar a vida com aquele homem. “Vocês estão sempre lutando dentro de mim”, diz o garoto, na síntese perfeita desse embate interior que o marca profundamente.

Quando a narrativa alcança Jack já adulto, percebemos o quanto de sua dureza é fruto dessa relação. Ao mesmo tempo, encontramos esse personagem, infeliz, quase que esmagado pelos prédios e construções da era moderna (que esmaga o próprio homem também).

Malick, que assina roteiro e direção, constrói uma narrativa engenhosa, com sua habitual fragmentação temporal, acompanhada de uma mise-en-scène livre. Os atores surgem soltos em cena, sem marcação aparente, enquanto são captados pela câmera sutil do cineasta, fotografados lindamente para acentuar a simbiose homem-natureza. Existe também uma simplicidade absurda na forma como nos deixa íntimos daquela família através de momentos cotidianos que nos dizem muito sobre cada um dos personagens.

Muita gente tem acusado o filme de vender sua beleza extrema a troco de um vazio narrativo. Mas a beleza das imagens parece estar mais a serviço de uma história que desvenda a relação do homem com o espaço ao redor (e o ser humano também é Natureza). Ganhando reconhecimento no Festival de Cannes de onde saiu com o prêmio máximo, Árvore da Vida é uma grande experiência estético-emocional, não só pela beleza formal da jornada de seus personagens, mas porque não se esgota com facilidade.