Por João Paulo Barreto
Amanhã Nunca Mais é a versão nacional para Um Dia de Fúria. Está frase pode parecer simplista, mas, ao final da sessão, é justamente essa a sensação que se tem. Guardadas as devidas proporções, o filme no qual Lázaro Ramos interpreta um gentil (até demais) anestesista em crise no seu casamento e que almeja, a todo custo, chegar em casa levando consigo o bolo para o aniversário de sua filha, segue a mesma espiral descendente do filme protagonizado por Michael Douglas, em 1993.
Walter (Ramos) é, como já foi dito, uma pessoa gentil. Sempre educado e cortês com as pessoas que cruzam seu caminho, ele tem um problema sério em dizer não. Quase como o personagem de Jim Carrey em Eu, Eu mesmo e Irene, só que sem a esquizofrenia. Todos parecem se aproveitar de sua boa vontade para explorá-lo. Sua falta de atitude compromete seu casamento. Sua esposa, Solange (Fernanda Machado) parece prever cada decisão dele e sempre a julgará como sendo a mais errada. “Você poderia ter dito não!”, replica ao ouvir o marido perguntar o que ela acha que ele deveria ter feito ao ser intimado a deixar a praia com a família para voltar ao hospital onde trabalha. O silencio de Walter define bem sua postura defensiva quando o assunto é conflito.
O filme de estréia de Tadeu Jungle é um exercício de análise para o comportamento de um homem colocado no limite de sua natureza. Ele o apresenta como uma pessoa posta à prova durante cada momento de seu dia. Para isso, não somente o elemento humano o provoca. No filme de Jungle, a vida urbana, a cidade, enfim, a metrópole e o stress da “vida moderna” têm um papel importantíssimo na definição de quem é aquele personagem. É através dos obstáculos impostos por esses elementos que se percebe como a figura de Walter está a ponto de explodir. O trânsito congestionado, o calor escaldante, o barulho, tudo é apresentado de modo a tornar cada passo dele uma prova de superação. E, para tanto, a fotografia quase monocromática, que salienta o suor no rosto do protagonista à medida que a noite vai ficando mais difícil, e o som direto da película, com o barulho irritante do trânsito, cumprem bem o papel de também deixar o público desconfortável.
Walter é um retrato interessante da acomodação. É o tipo de pessoa que percebe haver algo errado com sua postura perante a rotina, mas lhe parece, com o perdão termo, faltar colhões para resolver a situação por si mesmo. A letra da canção que abre o filme, composta por Arnaldo Antunes, define bem a necessidade básica de Walter: ele precisa aprender a dizer não. A dizer “que se dane”.
Dizer que se dane a seu colega anestesista (vivido de forma hilária por Milhem Cortaz) que pede a ele para participar de um arriscado abaixo assinado sem ainda ter sequer assinado; dizer que se dane ao cirurgião que o humilha por se julgar superior na hierarquia médica; dizer que se dane a louca (personagem inútil vivida por Maria Luiza Mendonça, que parece ter se especializado nesse tipo) que diz, num diálogo surreal e improvável, conhecê-lo dos tempos da adolescência e acaba, de má fé, complicando ainda mais sua vida conjugal.
No final, com a redenção de Walter, acabava vindo uma sensação de que nem sempre a cordialidade é a melhor maneira de se viver em sociedade. Impor-se pelo respeito mutuo ainda é o melhor caminho para manter a mente sã em uma rotina insana que exige tanto do homem cordial.