
Além da Estrada
Por Rafael Carvalho
Tudo em Além da Estrada está impregnado de uma beleza radiante na forma como filma a história de duas almas jovens que se encontram numa viagem em meio às paisagens do Uruguai. Há muita singeleza e doçura no filme, mas é justamente aí que reside seu grande problema: querer vencer pela atmosfera de alta sensibilidade, sendo que muito dela surge com muita gratuidade no decorrer da narrativa.
O diretor e roteirista brasileiro Charly Braun parece cheio de boas intenções em construir uma narrativa carregada de poesia visual, o tipo de ótimas intenções que se perdem por discursos vazios e sem liga dentro da história. E é justamente o trabalho de direção dele que confere ao filme cenas muito bem filmadas (o que ajuda a explicar, em parte, o prêmio de Melhor Direção no Festival do Rio 2010). Usa uma câmera na mão trêmula que tem se tornado cada vez mais cacoete de filme alternativo, mas que funciona levemente bem aqui. É ajudado ainda por uma fotografia radiante que faz questão de destacar e valorizar as belas paisagens ao redor, como de praxe nos bons road movies. Mas a serviço de quê?
Passamos a acompanhar a trajetória do argentino Santiago (Esteban Feune de Colombi) que chega ao Uruguai para tomar posse de um terreno deixado pelos pais. No caminho, oferece carona à misteriosa e um tanto perdida Juliette (Jill Mulleady), uma belga em busca de um antigo amor. E não é difícil imaginar a aproximação amorosa que os dois criarão em meio ao percurso.
Diante de um pacote tão bem embrulhado, é fácil pensar em como Além da Estrada consegue conquistar por sua “sensibilidade”. Ao se impor pelo belo e pelo poético, o filme esconde as muitas fragilidades que tem, em especial através de um roteiro que injeta frases de efeito e situações forçadas aqui e ali, escondidas justamente por essas “belezas” imagéticas que parecem hipnotizar o olhar.
Veja um exemplo: em determinada sequência, os personagens estão numa espécie de feira rural assistindo a uma apresentação. Num canto está um senhor centenário. No momento seguinte, sem nenhuma apresentação, Santiago já aparece ao lado do senhor, o cumprimenta, ao que recebe um abraço dele e ouve, dentre outras coisas, a seguinte frase: “Aquilo que se vê através do sentimento, não se esquece jamais”. Ou em outro momento, quando uma senhora aparece numa gruta dançando e falando coisas esquisitas, é questionada por Santiago, ao que ela responde estar falando “a língua do coração”. Esses personagens não mais aparecerão durante o filme.
Esse tipo de situação ronda o longa por completo. Isoladamente, são muito bonitas (funcionam muito bem no trailer do filme, por exemplo), mas recebem pouca ou nenhuma contextualização dentro do filme, como que jogadas ali por serem simplesmente “profundas”. Nos casos citados são ainda mais pertinentes por se tratar de pessoas de idade avançada falando, portanto exigindo respeito. Esse mesmo respeito que o filme (realizado por um jovem estreante em longas-metragens) toma para si como uma justificativa para a inserção desses momentos.
No meio disso tudo, a relação amorosa que se vai se estabelecendo entre Santiago e Juliette pareceria muito mais interessante sem essas interferências “poéticas”. Isso porque a própria história pessoal de ambos já possui sutilezas suficientes para sustentar os conflitos dramáticos de uma narrativa. Uma qualidade de Braun é dotar o filme de uma atmosfera singela, com um olhar aguçado sobre pequenas coisas e detalhes (um olhar, uma mão acariciando flores, um choro escondido) e também na forma como filma a aproximação dos protagonistas, sua química e seus conflitos (entre si e com os outros). Uma pena que muita coisa seja estragada por sua ambição em ser “profundo”, como já dito.
Poético mesmo é a cena final do filme. Não é gratuita, pois o local onde se passa já foi anunciado anteriormente, traz uma metáfora belíssima sobre a “construção” de um relacionamento possível (que nem personagens, diretor e espectador parecem saber ao certo como se dará), não é clichê e é filmado com sensibilidade e sem exageros. Mas aí já é tarde, o filme acaba.