Por Washignton dos Santos Oliveira

Álbum de família é um documentário que procura compreender através de um intenso diálogo entre pai e filho as imagens do passado de uma família, a do próprio diretor, envolta em mágoa, dor, abandono. A partir da lacrimosa narrativa inicial a respeito do sofrimento de sua mãe por conta do abandono do marido e da morte dela por câncer, o diretor vai nos situando a respeito da história que quer nos contar.

Boa parte do enredo do filme vai se construindo na estrada. Primeiro sozinho, nos situando em relação ao que o motivou a fazer o filme, Wallace viaja de Salvador à Feira de Santana, cidade onde ele nasceu e onde ainda reside o seu pai. Naquela cidade, ele encontra o pai em uma casa escura e claustrofóbica e começam o diálogo ainda titubeante que pouco tempo depois é interrompido para ser retomado no dia seguinte. Parece ser preciso estrada para que ambos possam dialogar com maior fluidez.

Com o pai, em busca do Álbum de Família esquecido, Wallace viaja de Feira de Santana para uma fazenda que pertencia ao seu pai na região da Chapada Diamantina. À medida em que a viagem vai se interiorizando em direção a fazenda, o diálogo vai se aprofundando e intensificando a necessidade de compreensão. Wallace insiste em saber como se dava a relação entre o seu pai e sua mãe; quais os valores que estavam em jogo; que necessidades não estavam mais sendo atendidas; quais desejos buscavam-se satisfazer; que tipo de conflito decorria disso; como isso resultou em abandono; e por fim, de que modo toda essa situação contribui para acelerar a morte de sua mãe.

Esses são alguns dos questionamentos que vão sendo levantados e que vão dando a tônica do diálogo. As falas do pai e do filho vão ficando cada vez mais desnudas, e vai se consolidando a ideia de o documentário Álbum de Família ser realmente um filme muito corajoso!

É essa coragem que logo de saída nos chama a atenção nesse filme. E isso é quase unânime entre aqueles que tiveram a oportunidade de assisti-lo. O que talvez uma pessoa como eu ou você discutiria parcialmente e com reserva com um amigo do peito ou com um parente próximo, Wallace o faz de forma aprofundada e sem rodeios diante de interlocutores anônimos por meio de suas imagens.

Mas muitos outros elementos se destacam nesta obra, e tudo contribui para que a narrativa desse drama particular diga respeito em alguma medida a cada um de nós que passamos a dialogar com o diretor. Esse diálogo é tornado ainda mais interessante pelo fato de o diretor e sua equipe abordar com bastante segurança a linguagem fílmica. De posse dessa linguagem o filme expressa a dor do abandono e da perda sem deixar de lado a discussão sobre valores mais gerais de nosso tempo. Em torno do tema central do filme, outras questões mais universais vão sendo levantadas, como o lugar que a mulher ainda ocupa na família e na sociedade, ou a angústia humana diante da finitude.

Em termos de fotografia, o filme também soube arriscar e investiu fortemente nos planos mais fechados, sempre atento aos gestos, traços e feições dos sujeitos fotografados. Ter insistido nesse tipo de enquadramento em quase todo o filme e só nas últimas fotografias ter uma preocupação com um plano mais aberto foi uma decisão acertada, pois nos deixa com uma sensação de relativa superação daquele peso que nos oprimia durante quase todo o percurso narrativo.

Não houve por parte do fotógrafo uma preocupação asceptica nem tampouco neutralidade na captura das imagens. Durante todo o filme, a câmera é algo que se intromete e quer chamar a atenção para o fato óbvio, mas nem sempre levado em consideração, de que ela é um elemento importantíssimo na construção do discurso fílmico. O resultado foi que aspectos que em outros casos poderiam incomodar como sombras e trepidação de câmera, nos fez vir ainda mais pra perto da narrativa.

Álbum de Família é, sem duvida, um documentário autoral em todos os sentidos e o diretor conseguiu trazer para dentro do filme praticamente toda sua vida em nervos, lágrimas e memória.

Não poderia ser de outra maneira, o conteúdo do filme é fundamentalmente triste. Porém nos faz bem assistir a suas imagens e é de bom grado que nos deixamos ser levados pelos caminhos trilhados pelo diretor no esforço de dialogar com o seu passado e com aqueles que a cada vez atualizam esse passado ao assistir ao filme.