Por João Paulo Barreto
Uma das principais razões de se assistir ao favorito ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro 2012, o iraniano A Separação, é a observação atenta ao choque de costumes que a exibição do longa para uma platéia ocidental causa. O filme aborda conceitos da relação entre maridos e esposas de uma forma cuja análise por alguém que não vive sob aqueles hábitos culturais é de total fascínio.
Também indicado à estatueta de Melhor Roteiro Original, o longa, escrito e dirigido por Asghar Farhadi, aborda a série de acontecimentos díspares que o divórcio do casal Nader (Peyman Moadi) e Simin (Leila Hatami) direta ou indiretamente traz à vida deles. Simin quer deixar o país enquanto Nader é contra a decisão uma vez que seu pai, doente de Alzheimer, não pode viver sem sua assistência. Simin, então, sai de casa e deixa a guarda temporária da filha adolescente Termeh (Sarina Farhadi, filha do diretor e um prodígio na atuação) com Nader. Dedicado para com a criação da filha sob os costumes religiosos do Irã, ele não deixa de sempre demonstrar o apreço e carinho que sente por ela, mesmo que o sempre tenso semblante pareça mantê-lo em um estado de nervos constante.
Não seria para menos, uma vez que os problemas de saúde de seu pai se agravam a cada dia e a dificuldade em encontrar alguém que possa cuidar do idoso parece, realmente, lhe abalar. Razieh é indicada, então, para o emprego de faxineira na casa de Nader sem a ideia de que terá que cuidar de um idoso que já não tem mais a habilidade de ir ao banheiro sozinho. Precisando muito do emprego, ela passa a freqüentar diariamente, na companhia da filha pequena, a casa do agora divorciado Nader. A partir desse ponto, o filme começa a exibir os diferentes costumes entre a cultura iraniana e a ocidental que nós, ocidentais, estamos habituados. Percebendo que o senhor urinou na cama, por exemplo, Razieh precisa ligar para alguém que parece ser um representante oficial de sua religião para perguntar se seria pecado limpá-lo. Segundo os costumes iranianos, o toque entre homens e mulheres que não são casados é proibido.
Em conflito com sua religião e com as obrigações como esposa, uma vez que para trabalhar ela teria que pedir autorização ao esposo, Razieh, mesmo precisando do dinheiro (seu marido está desempregado e ela grávida do segundo filho), se esforça ao máximo para conseguir manter a rotina. Por morar muito longe do local de trabalho e passar por uma gestação de risco, as dificuldades em se manter no emprego só aumentam. Algo que piora ainda mais após um desentendimento com Nader, uma vez que este chegou a casa e encontrou o pai sozinho, sem a assistência da doméstica que havia saído com a filha deixando o idoso trancado. Fato que vai gerar todo o caos na vida das famílias de ambos personagens devido a um ato cometido em meio ao nervosismo do momento. Uma simples ação que desestabilizará a rotina de todos em volta.
Contando com diálogos proferidos com tamanha naturalidade que o filme parece ter sido gravado como um falso documentário (dado às devidas proporções, óbvio, uma vez que os atores não conversam com a câmera), a história é contada por Farhadi de uma forma extremamente simples. Interessante observar como a montagem evolui do quadro estático visto na primeira cena do filme enquanto o casal protagonista conversa com alguém fora de campo (e olhando diretamente para a câmera, o que ajuda na impressão de falso documentário) para os cortes rápidos nos nervosos momentos de tensão quando dois personagens partem para agressões verbais e físicas, passando por processo semelhante nas cenas durante um depoimento à polícia e, novamente, fechando com o quadro estático dos protagonistas em uma belíssima rima visual no último enquadramento do longa.
Além de eficiente drama familiar, a produção prima justamente pelo já citado estudo cultural. Observar um dos personagens batendo em si mesmo por conta da raiva que sente e por não querer agredir a própria esposa com aqueles tapas e socos que ele prefere dar no próprio rosto é algo que, além de gerar um choque inicial, torna o estudo daqueles personagens uma experiência ainda mais profunda.
Curiosamente, alguns dos espectadores ao meu lado riram dessa reação. Estranho. Fico imaginando se aquela experiência teve para eles o mesmo peso psicológico que teve para mim. Invariavelmente, a reposta deve ser não.