
À Beira do Abismo
Por Rafael Saraiva
Um homem de boa aparência anda tranquilamente pelas ruas de Nova York, se registra em um hotel, e em seguida pede o café da manhã em seu quarto, localizado no vigésimo-primeiro andar. Então, calmamente, abre a janela e a atravessa, indo se equilibrar no estreito beiral existente no lado de fora. Enquanto isso, alguns transeuntes na rua abaixo notam a movimentação estranha, e um burburinho começa a ser formado nas ruas em volta do prédio. “Quem seria esse homem?” “O que ele pretende?” “Ele vai se jogar?” – Essas e outras perguntas passam pela cabeça do espectador logo no inicio de À Beira do Abismo. E esses três minutos iniciais descritos acima, de longe, são a melhor coisa do filme, pois apresentam uma situação extrema envolta em um instigante mistério. Uma pena que todos os quase 100 minutos seguintes sejam tão decepcionantes.
Afinal, esse curioso prólogo é estilhaçado imediatamente em seguida por um flashback completamente deslocado sobre o homem em questão, no caso, o ex-policial Nick Cassidy (Sam Worthington, gerenciando mal sua carreira pós-Avatar, muitas vezes envolvido em produções de qualidade duvidosa). E junto com ele, seu conflito é explicado, e é aí que o longa se sabota: ao justificar os motivos do personagem, o roteiro escancara para o público que ele não se trata de um suicida, e manda pelo ralo qualquer tensão que poderia ser criada com isso. Aliás, o fato dos espectadores estarem um passo a frente dos investigadores que tentam tirá-lo daquele local por boa parte do filme só faz com que eles soem completamente burros (claro que a ineficiência deles para desvendar certos fatos também ajuda).
Mas os problemas não param por aí: pior que aguentar um protagonista que está apenas ganhando tempo na beira de um prédio, é acreditar no plano mirabolante por trás disso tudo. Claro que longas que envolvam roubos audaciosos sempre necessitam de um bom nível de suspensão de crença por parte do público, mas À Beira do Abismo passa dos limites. Afinal, como conceber que a dupla formada pelo irmão do protagonista (Jamie Bell, em uma atuação para esquecer) e sua namorada latina (Genesis Rodriguez, apostando no estereótipo de “mulher-gostosa-e-sexy-com-sotaque”), duas pessoas aparentemente comuns (sem demonstrar nenhum conhecimento profissional da área), consiga executar um plano milimetricamente complexo para invadir um cofre e, consequentemente, enganar todo um forte aparato de segurança? Para piorar, o diretor Asger Leth mostra total falta de criatividade ao explorar À exaustão situações envolvendo alarmes, câmeras, sensores de movimento, dutos de ar, poços de elevador, etc, das formas mais batidas do gênero. Isso sem contar com a cena da latina vestindo um colant, de uma gratuidade inacreditável (mas o tempo todo dentro dos limites inofensivos da censura PG-13, é claro).
À Beira do Abismo ainda consegue desperdiçar vários atores conhecidos em papéis ruins, ou até mesmo irrelevantes. Além do caso do Jamie Bell já citado anteriormente, o filme traz o promissor Anthony Mackie (que teve boas atuações em Guerra ao Terror e Os Agentes do Destino) visivelmente desconfortável em cena, Ed Harris interpretando um vilão digno de novela e Kyra Sedgwick como uma repórter que nada adiciona à trama. Quem acaba se saindo melhor é Elizabeth Banks, que não é uma grande atriz, mas constrói sua personagem de modo crível, e conquista empatia do espectador de modo muito mais contundente que o próprio protagonista.
E depois de empilhar tantas cenas absurdas e furos de roteiro, o filme desiste das tentativas fracassadas de criar suspense em seu terceiro ato e se transforma em pura correria. Não que se torne menos desleixado por causa disso, mas ao menos consegue injetar algum ânimo e, pasmem, contagiar a plateia. Mas é tarde demais para salvar a dignidade, pois ainda reserva uma cena completamente brega para fechar o longa, que muito lembra os telefilmes ruins que passavam no Supercine anos atrás. É ver para crer.
Bom, À Beira do Abismo pode ter muitos defeitos. Mas seguindo a linha daqueles que preferem pensar de modo positivo, ao menos não dá para chamá-lo de enganador – afinal, leva menos de cinco minutos para mostrar sua verdadeira face.