Por Rafael Carvalho

Se, de longe, pode parecer muito simplista identificar O Céu Sobre os Ombros como um filme de personagens, basta assisti-lo para entender a riqueza de tipos humanos que o direto mineiro Sérgio Borges escolheu para compor esse seu longa de estreia. O filme apresenta três pessoas que passam a ser filmadas em seu cotidiano, para eles sem grandes acontecimentos, mas que pega o espectador em cheio pela multidimensionalidade de suas histórias. A força das imagens se encontra justamente naquilo que eles já são enquanto atores sociais.

Temos o jovem Murari, praticante da seita Hare Krishna, cozinheiro de restaurante natural, atendente de telemarketing e também líder da torcida organizada do Atlético Mineiro, a Galoucura; o angolano radicado no Brasil Lwei, aspirante a escritor, dono de um discurso aparentemente apocalíptico, e pai de um filho deficiente; e, talvez o mais interessante de todos eles, a transexual Everlyn, formada em psicologia, mestranda, professora e prostituta por opção.

Dito dessa forma, parece que os personagens já se apresentam de cara com todas essas suas facetas. Mas pelo contrário, uma das grandes forças do filme é ir, aos poucos, acrescentando mais camadas a esses indivíduos. Uma montagem balanceada intercala as histórias desses três sujeitos, na medida em que a eles vão sendo acrescidas outras nuances a cada nova sequência.

Parecem personagens criados por uma mente fértil de roteirista. Mas são figuras reais com quem o diretor teve contato; e mais ainda, os convidou a interpretarem a si mesmos diante das câmeras. É por isso que existe tanta desenvoltura em sua “interpretação”. A câmera do filme aproveita então para captar da forma mais naturalista e sem grandes interferências a entrega total daqueles corpos em movimento no seu espaço cotidiano, em sua intimidade.

Para além do mérito de por em cheque a relação conflituosa (mas por vezes complementar) entre documentário e ficção (pois o filme não só registra, como também recria situações de suas vidas), O Céu Sobre os Ombros é o retrato de pessoas incomuns, inseridas no mesmo espaço em que tantas outras circulam, anonimamente. O filme nunca tenta aproximá-los narrativamente. O que as une são justamente as particularidades de cada uma daquelas trajetórias em curso. Mais interessa ao filme o peso do mundo que paira por sobre essas figuras tridimensionais e, por isso mesmo, tão impressionantes.