Eu assisti a Sentado à sua Direita (Seduto alla sua destra,1968), de Valerio Zurlini, em 2001, pela primeira vez, na Mostra Internacional de São Paulo. Naquela tarde de outono, eu saí desnorteado pelas ruas próximas ao Unibanco Arteplex até sentar-me num boteco qualquer da Augusta na tentativa de me acalmar.

No filme, eu tive a sensação de ver um Gandhi Negro sendo torturado.

Depois, soube que o filme é mais conhecido como “Jesus Negro”, dada a feição e jeito de falar amorosos do personagem principal, vivido magistralmente pelo ator norte-americano Woody Strode.

Sentado à sua Direita é uma ficção livremente inspirada nos últimos momentos de vida de Patrice Lumumba.

Até aquela tarde, aquela sessão de cinema, eu desconhecia por completo a trajetória de Lumumba, o líder da independência do Congo e um dos maiores críticos da opressão colonial imposta por EUA e Europa sobre a África.

Lumumba foi assassinado de forma brutal, em 1961. Em 2001, uma comissão formada pelo governo belga reconheceu que aquele país teve papel destacado no planejamento que levou o líder negro à morte. Os belgas armaram e deram cobertura ao principal opositor de Lumumba, à época. Moises Tshombe buscava o poder de qualquer maneira. A ele, Lumumba foi entregue para ser executado.

Temendo um possível alinhamento do Congo com a União Soviética, os norte-americanos também tomaram parte desse crime. O próprio presidente Eisenhower teria pedido, pessoalmente, a eliminação do líder negro, segundo um de seus mais destacados assessores, Robert Johnson.

O assassinato ocorreu cerca de sete meses após a declaração de independência do Congo. Lumumba era o primeiro ministro do jovem pais e um dos mais destacados lideres africanos. Sua morte, assim como a de outras lideranças em África e no Oriente Médio, deixou lacuna sentida até os dias de hoje.

Com Sentado à Direita, eu passei a conhecer, também, a obra de Valerio Zurlini, um dos grandes mestres do cinema italiano. Um cineasta um tanto ofuscado por ter realizado suas obras no mesmo período que Fellini, Antonioni, Visconti e outros tantos mais.

Sentado à Sua Direita é o seu grande filme.

Passados oito anos daquela marcante sessão de cinema, deparo-me, em pleno processo de busca de presentes de Natal, agora em 2009, com o DVD do filme. Revi, então, a trajetória do “Jesus Negro”.

Desta feita, sem estar sob o efeito da surpresa dessa terrível história, foi possível observar a forma como Zurlini trabalha os elementos fílmicos no longa.

Os atores são a matéria-prima de Sentado à Sua Direita. Via de regra, são eles que preenchem o formato 2:35, que toma toda a tela na horizontal, de canto a outro.

Eles, os atores, estão sempre em posições distintas, em relação à câmera, quase nunca permanecem na mesma linha horizontal, estão a alguns passos de distância um do outro. Com isso, Zurlini explora a profundidade de campo, dando tridimensionalidade aos personagens.

O filme se passa quase ele todo nas dependências de uma prisão no interior do Congo. Ali, num espaço pequeno, Zurlini alcança um alto grau de dramaticidade, num jogo de sombras e luz, que dão contornos incrivelmente expressivos ao rosto e pele dos personagens, mas sobretudo do ator Woody Strode, que dá vida Maurice Lalubi, inspirado em Lumumba.

Zurlini se vale de soluções muito simples, com um resultado grandioso.

Assim, o encontro improvável entre o líder negro com o histérico ladrão de galinhas vivido por Franco Citti, ganha ares de fábula bíblica.

Um gigante, não apenas no tamanho, mas na generosidade e inteligência, interessa-se por um ser humano dos mais ordinários. Interessa-se de verdade, em meio a terrível sofrimento e medo pelo o que o aguarda.

Esse afeto genuíno de Lalubi causa profunda comoção no personagem de Franco Citti, que passa a tentar minimizar sua dor. Permanece ao lado do líder agonizante até o terrível final.

Em torno dos dois personagens , há o comandante holandês, representante dos europeus e que é incapaz de deitar sua cabeça em paz no travesseiro; o oportunista africano, verdadeiro câncer de um continente ainda adormecido; um terceiro prisioneiro, individualista, que acredita que se não tomar partido da situação política, nada lhe acontecerá.

Sentado à sua Direita articula esses personagens como signos da dominação colonialista de então. Um jogo que levou o Congo a uma tirania de mais de trinta anos, após a morte de Lumumba. Uma partida que parece longe de ser vencida de forma justa e igualitária.

Sentado a Sua Direita prova que é possível fazer política sem ser panfletário, maniqueísta.

 

Por Cláudio Marques
Visto no Unibanco Arteplex, na Mostra Internacional de São Paulo, em 2001