Por João Paulo Barreto

Longa de estreia do diretor paulista Afonso Poyart, 2 Coelhos segue uma narrativa que remete a filmes como Corra Lola, Corra e Cidade de Deus. Contando com uma montagem não linear frenética que mantém a história em fragmentos, o filme apresenta uma trama simples, mas que chama atenção justamente pelo modo estilizado como Poyart resolveu contá-la. Edgar (Fernando Alves Pinto) é um geek viciado em videogames violentos que pretende colocar em prática um plano para punir políticos corruptos e criminosos assassinos. Nesse intento, ele fabrica uma bomba que deverá explodir levando um membro de cada “grupo social” citado acima.

Com esse plot básico, o que se vê na tela é uma história com diversos personagens que se ligam através de surpreendentes reviravoltas onde nada é realmente o que parece. Após ser assaltado por um motoboy, Edgar o reconhece na delegacia, mas ao invés entregá-lo às autoridades, lhe propõe sociedade. A ideia é roubar uma mala de dinheiro que será utilizada por um bandido (Maicon, vivido por Marat Descartes) processado pelo Ministério Público no suborno de um deputado estadual. Descrever a história além daqui seria revelar pontos específicos da trama que acabariam por estragar as boas surpresas que o filme traz.

2 Coelhos, apesar de absurdo em alguns pontos, como, por exemplo, na motivação original de Edgar em levar seu plano à frente, surpreende de forma positiva pela qualidade de seu roteiro. Mantendo uma atmosfera urbana que retrata a capital paulistana de forma sufocante, o filme apresenta uma fotografia propositalmente escura, tornando os ambientes cuja direção de arte eficaz, como o barraco onde vive o motoboy ladrão, Velinha (Thaíde), com uma aparência ainda mais suja e desconfortável. Outro ponto curioso que se observa é o modo como as animações e as representações da vida de Edgar apresentadas no começo da trama como algo virtual, acabam ganhando, no decorrer da história, seus equivalentes reais. É o mundo imaginário do personagem ganhando, para sua desgraça, aspectos concretos.

Criando uma narrativa que se destaca pelo mosaico de informações visuais, o longa traz uma roupagem diferente do que é comumente visto no cinema nacional. Obviamente, a montagem de Lucas Gonzaga e André Toledo, junto com o próprio Poyart, traz muito do que já foi visto nos trabalhos de Daniel Rezende (Cidade de Deus), mas consegue criar uma identidade própria que se apóia em uma trilha sonora moderna repleta de músicas pop americanas em um hábito que vem se tornando rotineiro no cinema brasileiro (vide os trabalhos de Cláudio Torres para comprovar isso). Não que seja um problema, friso.

Já na trilha original, André Abujamra e Márcio Nigro repetem o bom resultado da parceria em O Contador de Histórias e Encarnação do Demônio mesclando muito bem as partituras dos momentos de tensão do longa, que se baseiam em temas percussivos, com a inserção da impactante Kings and Queens, do 30 Seconds to Mars, que define a velocidade e a estrutura de vídeo clipe do filme. E que velocidade. 2 Coelhos não possui momentos de pausa, sempre criando sequências de ação no embalo de outras. Quando se pretende inserir uma pausa na veloz narrativa, o diretor faz questão de contrastar a rapidez da história com a ideia de calma e serenidade propositais, como na cena em que vemos Julia (Alessandra Negrini, linda) sair do mar em câmera lenta e ao som de Lenine.

Apesar de sua violência, o filme possui uma atmosfera cômica que, graças às inteligentes tiradas do roteiro de Poyart e das improvisações do elenco, garantem risos em momentos de total medo e apreensão. Como, por exemplo, na chegada de Bolinha (Thogun) em certo recinto com metralhadora em punho em dizendo que é o papai Noel ou quando um grupo de personagens tenta decidir qual parte do corpo de uma vítima, quando atingida, sangrará mais enquanto o infeliz ainda permanece vivo. O sorriso acaba surgindo entre dentes trincados.

Sendo esse o longa de estreia de Afonso Poyart e tendo em mente a lembrança do divertido curta Eu te darei o Céu, dirigido por ele em 2005, a expectativa para futuros trabalhos do diretor só aumenta. Em tempos de “obras” como Federal e Assalto ao Banco Central, é dessas mentes inventivas que nosso cinema de ação mais precisa.