Por André Setaro
Professor e crítico de cinema
Akira Kurosawa (1910/1998) é o cineasta japonês mais conhecido no Ocidente, cuja revelação se dá em Rashomon, quando o apresenta no Festival de Veneza de 1951, quase dez anos depois do seu primeiro filme, Sugata Sanshiro, em 1943, e de muitos títulos já registrados em sua filmografia. Nesta obra-prima, que é Rashomon, há uma atmosfera de fábula medieval, e a sua estrutura narrativa se caracteriza pela construção em flash-backs a apresentar o mesmo acontecimento de acordo com os pontos de vista subjetivos de vários narradores – o que evoca o genial dramaturgo italiano Luigi Pirandello.
Entre as características formais de Kurosawa, destaca-se um sentido rítmico muito pessoal, desligado das tradições teatrais nipônicas, mas não identificado exatamente com as ocidentais contemporâneas. Também é singular a dureza de seus enquadramentos, que corresponde à sua formação pictórica, o cuidado na direção dos atores e a facilidade com que incursiona, sem temor, no caminho da síntese em que o plástico, o sociológico e o psicológico chegam, sem obstáculo, a um ponto de fusão. Dotado de uma violência quase congênita e de uma técnica bem assimilada em sua fase de assistente de grandes cineastas japoneses, Kurosawa representa, para o cinema nipônico, o grande relevo da formação clássica, presidida pela figura de Kenzi Mizoguchi (Contos da lua vaga) . Universal em sua linguagem, embora sem a perda das características de sua cultura, influi poderosamente no cinema de autores dos anos 50 e 60 de seu páis, aos quais abre as portas do realismo contemporâneo.
No início de sua carreira, realiza três obras fundamentais, uma trilogia que constitui uma paradoxal elegia de uma civilização: O anjo embriagado (Yoidore Tenshi, 1948) – história das relações entre um médico e um gangster tuberculoso, e que assinala o começo de uma larga e fecunda colaboração com o ator Toshiro Mifune (com o qual faria o célebre Os 7 samurais), Cão Danado (Nora-iu, 1949) – descrição de todo um meio social através da busca de um detetive para recuperar o seu revólver roubado (e não estaria aqui a sofrer influência de Ladrões de bicicletas/Ladri di biclette, 1948, de Vittorio De Sica, obra-prima do neorrealismo italiano?), e especialmente Viver (Ikiru, 1953) – sobre os últimos dias de um velho funcionário público (que muitos historiadores consideram a sua obra mestra).
Kurosawa, através de Hakuchi, o idiota (Hakuchi, 1951), adaptação de Fiodor Dostoievsky), introduz sutilmente a cultura europeia no cinema japonês. Admirador de William Shakespeare, realiza adaptações admiráveis, entre as quais estão Trono manchado de sangue (segundo o texto shakespeariano de MacBeth), Ran (baseado em Rei Lear), entre outras. Em 1970, angustiado por não receber recursos para terminar um filme, tenta se suicidar, mas consegue sobreviver com a ajuda de produtores americanos.
Dersu Uzala é da fase em que o grande mestre se afasta do Japão, nos anos 70, à procura de uma inspiração exterior. Mas suas constantes temáticas e estilísticas estão presentes neste admirável filme sobre o homem e a natureza e o choque de culturas.
Madadayo, canto de cisne deste grande realizador, é um prenúncio de seu fim. Um velho professor se aposenta e durante a sua ausência das aulas continua a receber a visita de seus antigos alunos. Uma obra crepuscular e de grande sensibilidade.